H. Upmann: os degraus do paraíso
Diz-se, na longa mitologia que rodeia a história dos charutos, que John Fitzgerald Kennedy atrasou por um tempo a declaração de embargo a Cuba até que os humidificadores da Casa Branca ficassem recheados de ‘coronas’ H. Upmann, os ‘Eminentes’, o charuto preferido do presidente americano. A casa H. (leia-se ‘hache’ à espanhola, onde o H quer dizer Herman) Upmann, da La Habana, fabricava uns belos ‘coronas’, é verdade, a meio caminho entre os ‘lonsdale’ e os ‘corona junior’, formatos com que julguei subir os degraus do paraíso em duas ou três oportunidades. O primeiro que fumei foi em Trinidad, em Cuba, meados da década de oitenta, quando ainda se podia ostentar um charuto sem arcar com responsabilidades penais e morais como as que existem hoje em dia.
Com o seu fumo não experimentei apenas o fulgor brilhante da sua cinza, que demorava a perecer, nem o aroma leve a cedro, o sabor a terra húmida e tépida entre pinheiros e as suas sombras – nem aquela mistura raríssima de rum maduro e café feito com água fervida numa cafeteira usada. Havia a história, porque um charuto não a dispensa – os formatos Upmann de hoje não têm a ver com os de há cem anos, quando o Sr. Herman Upmann deu por encerrada a sua atividade de banqueiro, legando apenas os charutos para a lenda da sua posteridade; mas, por um milagre difícil de explicar, a mudança de bitolas não trouxe consigo a mudança de estatuto: os Upmann não ficaram mais “intensos” nem mais “fortes” – mantiveram a sua tradição de charuto relativamente leve, relativamente respirável, com uma capa (infelizmente) clara, pouco amanteigada mas sedosa, boa para europeus maduros que não descobriram cubanos de um momento para o outro. Os meus preferidos não são os mais modernos (os formatos ‘magnum’) mas sim os clássicos, o Upmann e o Conoisseur n.º 2, especialmente este último, gordito mas de comprimento adequado a um ‘corona’, ligeiramente exibicionista – como se dançasse a rumba num terraço das Caraíbas depois de um jantar que antecipa aquela pacificação que flutua como uma nuvem de que mal nos damos conta.
Um charuto, senhoras e senhores, não é um pedaço de tabaco enrolado – tem uma história e um conjunto de evocações sentimentais, uma arte do fabrico e uma arte da embalagem. Por isso, numa das próximas semanas falo-vos, ai de mim, do charuto com que haveis de começar a aventura, herdeiro de boa literatura e de nada más digestões.
UM CHARUTO
TEM EVOCAÇÕES SENTIMENTAIS