Correio da Manha - Boa Onda

“O FADO TEM ALGO QUE ME LIBERTA”

DEPOIS DE MUITOS ANOS LIGADA AO FADO, MAS SEMPRE COM ALGUNS RECEIOS DE O ASSUMIR A TEMPO INTEIRO, A CANTORA LANÇA AGORA O SEU PRIMEIRO DISCO, `PURO', COM PRODUÇÃO DE DIOGO CLEMENTE

- POR MIGUEL AZEVEDO

AMatilde já anda no fado há muitos anos. Porquê só agora o primeiro disco? Porque não me sentia com a maturidade suficiente para o fazer. E, para ser muito honesta, também não tinha muita vontade.

Até que ponto o Diogo Clemente (Produtor) foi importante no sentido de a fazer mudar de ideias?

O Diogo já me tinha sondado há uns anos, mas o ‘chip’ do disco ainda não estava cá. Claro que quando me senti preparada, ele tinha que ser a primeira pessoa a saber. Juntou-se o útil ao agradável.

Como apareceu o fado na sua vida?

Eu sempre gostei muito de música, mas o fado tem uma particular­idade: tem uma intensidad­e nas palavras que me destabiliz­a e que mexe muito comigo. O fado tem algo que me liberta. Eu eu queria muito passar às pessoas aquilo que eu sentia.

Mas houve alguém em particular que a tivesse levado a querer cantar?

Sim. A minha primeira grande referência foi a Maria Teresa de Noronha. Um dos fados que me lembro na voz dela, que não era de todo para a minha idade, era a Rosa Enjeitada. Ela cantava aquilo e eu arrepiava-me. “Que raio de música é esta que me faz sentir estas coisas”, dizia eu. Depois disso comecei a pesquisar até adquirir um repertório muito próprio.

Mas uma coisa é gostar de fado e outra é cantá-lo. Quando é que percebeu que o seu caminho ia seguir por aí?

No início, acho que por cobardia, não quis assumir isto de ser fadista com medo de ser julgada. Quando dizemos aos outros que somos fadistas somos logo alvo de avaliação. E então eu dizia que era uma brincadeir­a. Só que há coisas que não dá para controlar. O fado começou a tomar conta das minhas emoções de tal forma que já não dava espaço para mais nada.

E o que é que fazia paralelame­nte ao fado?

Eu sou engenheira e ainda trabalhei um tempo na área numa empresa de importaçõe­s e exportaçõe­s como administra­tiva. Estive lá três anos, mas depois fui convidada para participar no ciclo‘Há Fado no Cais’, no CCB, em 2016, e acho que foi aí que se deu o‘click’. Quando voltei ao meu emprego estava completame­nte deprimida. Eu queria era cantar. Em 2017, então larguei tudo e assumi o fado em definitivo. Claro que tive medos, mas confiei.

Já tinha algum fadista na família?

Não. Eu tinha era um tio pianista. No núcleo duro da família ninguém seguiu a música, mas todos os dias era muito usual reunirmo-nos à volta do piano.

“NO INÍCIO, ACHO QUE POR COBARDIA, NÃO QUIS ASSUMIR ISTO DE SER FADISTA COM MEDO DE SER JULGADA”

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