Correio da Manha - Boa Onda

O carolino, parte dois

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Eu não devia voltar a isto, mas volto. Na semana passada estive na Figueira da Foz e na Póvoa de Varzim – a ‘capital do arroz carolino’, como orgulhosam­ente gosta de se designar parte dos figueirens­es do vale do Mondego onde se procede à produção e descasque de arroz carolino (variedades Ariete, Euro, Augusto, Vasco e Luna, caso lhes interesse), partilhand­o o título com Cantanhede, Coimbra, Soure, Montemor-o-Velho e Condeixa); e uma das terras portuguesa­s com mais interessan­tes pratos de peixe (o meu amigo Ricardo Dias Felner tem uma especial predileção pelos pequenos restaurant­es da Apúlia).

Quando começo a enumerar qualidades da nossa gastronomi­a fico um daqueles personagen­s de Camilo ou Júlio Dinis, perorando sobre a grandeza dos Elementos; no caso de Júlio Dinis, pelo entusiasmo; no caso de Camilo, como um personagem cómico, cuja pele não me importo de vestir. Não há riqueza assim, como vem naquele poema de O’Neill, “ó Portugal, se fosses só três sílabas”, ou pior, como no Fernando Assis Pacheco: “se temos nove dez poetas / à escala europeia / ou só quatro ou mesmo talvez / com muita boa vontade três / aflige-me bastante menos / que o problema do Serra: / quantas queijeiras restam / fiéis à rude bordaleira? / para onde vai Portugal?” Não há riqueza assim.

Pois se na Figueira (saborosa raia alhada, já agora – um dos meus pratos de eleição) me informaram sobre a composição química e os graus e tempos de cozedura do arroz carolino, na Póvoa é onde como o saboroso arroz de linguado preparado pelo gentil Sr. Américo, na Petisqueir­a A Barca, a dois passos da praia.

De duas coisas fiquem os leitores cientes: o carolino é o arroz que melhor absorve as qualidades do caldo onde mergulha, seja ele de legumes, de carne ou de peixe. E, mal entra naquele tacho, dê-lhe sete minutos para cozer no seu ponto ideal – estou disposto a lutar por este princípio. A segunda coisa é a seguinte: o carolino é tão precioso e carnal que, mal complete o seu tempo de cozedura, deve ser deglutido e saboreado – de contrário, retire-se para um recipiente frio e em caldo abundante, caso contrário será assassinad­o.

O Sr. Américo faz um ameníssimo caldo com pouco tomate liquefeito, cebolinha pastosa, e os sabores do peixe – peles, espinhas, tudo coado. Os filetes de linguado (sem pele, limpos), um peixe nobre e delicado, entram na companhia do arroz, mal este fervilhe pela segunda vez. É um complement­o suavíssimo para um apetite de príncipe. Eu faço o mesmo com as sardinhas, gordas, escamadas e gulosas, no verão. Tudo com arroz carolino do Mondego.

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