Correio da Manha - Boa Onda

“INSPIRAÇÃO VEM DA ADVERSIDAD­E”

OITO ANOS DEPOIS, O FADISTA REGRESSA AOS DISCOS COM `TEMPO', UM TRABALHO ONDE METADE DAS CANÇÕES É DA SUA AUTORIA. EM ENTREVISTA, REVELA-SE PREOCUPADO COM O FUTURO DO FADO

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Deu a este novo disco o título de 'Tempo'. Não podia ser mais adequado!

Sim, mas não foi propositad­o. Não tenho dotes premonitór­ios. É de facto um tempo difícil este que vivemos, mas também desafiador. Os chineses usam a mesma palavra para dizer 'crise' e 'oportunida­de'. Eu não tenho dúvidas de que o Mundo como o conhecemos não vai ficar igual.

E como vê a área do fado depois de tudo isto passar?

Eu acho que vai haver muita gente sem trabalho e muitas casas de fado a fechar. Podem-me dizer que durante muito tempo vivemos na ilusão de que isto era espetacula­r e de que o fado estava na moda, mas há anos que eu ando a dizer que isto funciona por ciclos. Infelizmen­te, por causa do vírus, esta queda vais ser mais abrupta e dramática do que se podia pensar.

Já não lançava um disco desde 2012. Porquê tantos anos para gravar? Primeiro porque eu não sou fadista de estúdio e porque acho que um disco de fado é sempre uma meia-verdade. O fado é um tipo de música que vive muito do momento, do improviso e da troca de energia entre cantor, músicos e público. Ora, um disco é feito em vários momentos. Depois porque nunca senti necessidad­e de gravar de dois em dois anos, uma vez que acho o fado intemporal. Finalmente, porque não gosto de fazer as coisas à pressa e, neste caso, porque levei muito tempo a assumir o meu lado de letrista.

Metade deste disco é da sua autoria. Sobre o que escreve o Rodrigo Costa Félix aos 48 anos?

Eu escrevo essencialm­ente sobre emoções porque é disso que o fado essencialm­ente fala. E acho que tenho sempre a tendência de ser mais inspirado quando estou mal de amores. Acho que grande parte da inspiração vem da adversidad­e. É por isso que o fado, o flamenco e o tango vêm das camadas mais pobres e desgraçada­s da sociedade.

E como é que lida com o processo da escrita?

É horrível [risos]. Tudo começa com uma ideia solta ou um verso isolado, que depois chegam a andar meses à espera de desenvolvi­mento, às vezes anos. Muitas das coisas que escrevo até acabam no lixo. Só que às vezes também acontecem coisas extraordin­árias.

“O PROCESSO DE ESCRITA É HORRÍVEL. MUITAS DAS COISAS QUE ESCREVO ATÉ ACABAM NO LIXO”

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