Santo António não faz milagres
Oimpedimento para a realização das festas populares, dos arraiais e das marchas, em Lisboa, vai atirar muitas das quase 400 coletividades da cidade para uma situação dramática (é mais uma incongruência destes tempos de pandemia: pode-se marchar por George Floyd, mas não se pode marchar por Santo António). A importância das coletividades e do associativismo no tecido coletivo é tão grande que já alguém as definiu como uma das mais belas e perfeitas expressões da vida social. Promovem a participação das populações nas realidades locais, dinamizam a vida desportiva e cultural, têm um papel fulcral na ação social e na educação e funcionam no apoio às freguesias, sendo também verdadeiros centros de dia de muitos idosos. De lá saíram grandes artistas e desportistas (fadistas então nem se fala). Em Portugal existem mais de 30 mil coletividades com quase cinco milhões de associados. São consideradas verdadeiras empresas, mas desenvolvem as suas atividades debaixo de uma enorme fragilidade. Na última década fecharam mais de 100 só por causa do aumento do preço da água, luz, rendas e IMIs. Ora, quase todas, por todo o País, viam nos santos populares um balão de oxigénio. Muitas até já tinham investido nas marchas. Sem as festas, os prejuízos podem chegar aos 300 milhões e algumas podem não voltar a abrir. Os arraiais estão proibidos, o cheiro a sardinha não vai perfumar o céu de Lisboa e até o tradicional “pão de Santo António” deverá ser requisitado online. A polícia vai andar a fiscalizar e sem Santo António, já só todos pedem por um milagre. É que os versos que Amália cantava em ‘Alfama’ nunca fizeram tanto sentido. Já só “cheira a silêncio magoado”.
ALGUMAS COLETIVIDADES ARRISCAM A NÃO ABRIR PORTAS