Correio da Manha - Boa Onda

Afonso Cruz “OS LEITORES SEMPRE FORAM UMA MINORIA”

NA SUA NOVA OBRA, O AUTOR PARTILHA HISTÓRIAS SOBRE LIVROS E O VÍCIO QUE ELES PROVOCAM NOS LEITORES. UMAS SÃO PESSOAIS, OUTRAS CHEGARAM AO SEU CONHECIMEN­TO ATRAVÉS DO SEU PRÓPRIO VÍCIO

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OVício dos Livros’ é o seu mais recente livro. Como surgiu a ideia para o escrever?

Porque, naturalmen­te, o tema dos livros e da literatura me interessa muito. E porque ao longo dos anos fui recolhendo histórias, algumas pessoais, outras fui lendo, relacionad­as com os livros. Achei que seria adequado partilhá-las. Junta textos que já são públicos a outros inéditos.

É a sua carta de amor aos livros?

Não sei se é uma carta de amor, mas é uma expressão do meu interesse pelos livros [risos]. Até porque nem todas as histórias que envolvem livros são positivas. Há histórias de livros que podem matar e outras de livros que abrem acesas discussões. Mas o meu foco não é esse.

O livro está a perder importânci­a nas nossas vidas, sobretudo das gerações mais novas?

Eu contesto essa ideia. Os leitores sempre foram uma minoria. A verdade é que o livro tem uma série de exigências que o tornam numa forma de arte muito peculiar, em que o lado social é praticamen­te anulado. Além disso, implica muita disponibil­idade, muito mais do que um filme ou um concerto, por exemplo. Não é uma atividade tão apelativa. A leitura implica silêncio, concentraç­ão, e, por isso, costumo dizer que é ciumenta.

Mas o livro também tem vantagens.

É, por exemplo, muito provável que seja mais barato do que o bilhete para o concerto de uma qualquer estrela pop e fica disponível por muito mais tempo. A fruição, em principio, é muito mais prolongada. As pessoas não se importam de gastar dinheiro em coisas que são muito mais efémeras. O retorno que um livro nos traz é muito maior do que as calorias de uma deliciosa sobremesa.

Quando começou o seu vício?

É difícil de identifica­r uma altura certa. Sempre gostei muito de ler. Sou filho único e os livros acabaram por ser uma companhia. Aos 12 anos comecei a ler livros do meu pai, que não eram feitos para a minha faixa etária. Agora, a ideia de comprar muito mais do que consigo ler, e aí já podemos falar de vício verdadeira­mente, surge quando começo a trabalhar e tenho o meu próprio dinheiro.

É um dos mais prolíferos autores portuguese­s da atualidade. Como funciona o seu processo de escrita?

Eu devo a minha escrita quase na sua totalidade à leitura. Passo muito tempo a ler. Muito mais do que a escrever...

Um bom escritor tem de ser um ávido leitor? É fundamenta­l?

É. Há sempre excepções, como alguém que toca nas teclas de um piano à sorte e tira uma melodia lindíssima. Mas, regra geral, a matéria prima de um escritor é, sobretudo, a leitura. A experiênci­a de vida também conta, mas a leitura dá-nos uma ferramenta muito mais próxima daquilo que é o resultado final. É uma experiênci­a que podemos aplicar no exercício final do nosso trabalho. A leitura ensina-nos a escrever.

E é nesse tempo de leitura que surgem as ideias?

Sim, bastante. Quando estou a ler anoto bastantes ideias. Até porque eu acredito que para se ter uma boa ideia é preciso ter muitas ideias.

E daí passa-se ao papel. Fica satisfeito com tudo o que publica?

Na altura, sim. Sinto que é o máximo que consigo. Se não achar, prefiro deixar de lado. Já me aconteceu ter um livro em fase de revisão e desistir dele. Não há mal nenhum em sermos cruéis nesse sentido.

Mas isso é no momento em que publica... se deixar passar algum tempo, continua a gostar do que escreveu?

Com o tempo mudamos a nossa maneira de estar, de ver as coisas... e, quando voltamos a ler algumas coisas que escrevemos no passado, sentimos que se fossemos a escrever novamente faríamos de outra maneira. Tal como uma leitura é diferente, em momentos diferentes.

“A MATÉRIA PRIMA DE UM

ESCRITOR É A LEITURA”

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