Correio da Manha - Boa Onda

Arroz e amêijoas

- POR FRANCISCO JOSÉ VIEGAS

Duas notas de pena minha: a facilidade com que se encontra tomate coração-de-boi nos supermerca­dos e a dificuldad­e com que geralmente encaramos a tarefa de preparar um bom caldo de peixe. Começo por esta: é fácil. Basta retirar as cabeças, a pele e as espinhas do peixe que cozemos ou usamos para o forno – e ferver tudo durante uma hora, em água abundante e na companhia de uma cebola, uma cenoura, um pequeno ramo de salsa e coentros, uma folha de louro, uns dentes de alho, umas folhas de hortelã e uns grãos de pimenta (e nada de sal). A partir do momento em que o caldo entra em ebulição, devemos baixar o lume, tapar – e abrir a janela da cozinha, evidenteme­nte. Esta é a parte menos agradável, os odores. Ao fim de uma hora de fogo lento, coar tudo e obter assim cerca de um litro de caldo de peixe, tão útil para os nossos arrozes, massadas, recheios cremosos de rissol e de empadas. Podemos congelar boa parte dele em ‘cuvettes’ de gelo.

Quanto ao tomate coração-de-boi nos supermerca­dos, lamento que seja de tão má qualidade e em nada se aproxime do sabor e da textura carnuda (pelo contrário, é pastosa e às vezes quase granulada) do coração-de-boi verdadeiro – e que espero que esteja de regresso, em brilhantes e suculentas amostras na Feira do Tomate de Coração-de-Boi em Ervedosa do Douro (a dois passos da Régua, a dois passos do Pinhão), em agosto próximo.

Falo-vos disto nem por causa do caldo de peixe nem do tomate – mas pela vontade que me deu preparar um belo arroz de amêijoas, bom para esta época do ano. Condição: que sejam amêijoas carnudas e suculentas, limpas e frescas. O arroz, que seja carolino (Vale do Mondego, do Sorraia ou do Vouga), como merecemos.

Em primeiro lugar, pelem-se os tomates; corte um deles aos cubos, e reduza outro a puré, com um garfo. Depois, um refogado ligeiro com o azeite, a cebola miúda, um dente de alho e o louro; junte-se o tomate, deixemo-lo cozinhar durante cinco minutos e juntemos o nosso caldo de peixe. Isto significa que deve apurar durante dez minutos em fogo lento, juntando água quente se necessário antes de, com tudo a fervilhar, acrescenta­rmos o arroz. Quando o caldo estiver a ferver, junte-se o outro dente de alho picado, mexa-se bem para que o arroz fique em suspensão (certifique-se de que há líquido suficiente – trata-se de quatro medidas de caldo para uma de arroz, nada de receios), e juntemos as amêijoas. Retire-se do fogo quando o grão estiver a preparar-se para abrir; agitemos o tacho para que as amêijoas se espalhem pelo arroz, polvilhemo­s com os coentros e a salsa picados e deixe assentar. Na hora de servir, as amêijoas são servidas com sentido democrátic­o; nada de guardar o melhor pedaço para nós.

AS AMÊIJOAS SÃO SERVIDAS COM SENTIDO DEMOCRÁTIC­O

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JUANMONINO/GETTY IMAGES
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