Correio da Manha - Boa Onda

FERNANDO LUÍS “NÃO PODIA TER SIDO OUTRA COISA QUE NÃO ATOR”

Protagoniz­ou algumas das séries mais populares da televisão portuguesa, incluindo um fenómeno chamado `Inspetor Max' (estreou há 20 anos). Aos 63 anos, e a viver fora de Lisboa, o ator diz que já chegou a uma fase da sua carreira em que se dá ao luxo de e

- POR ANA MARIA RIBEIRO

Foi um dos protagonis­tas da peça ‘A Senhora de Dubuque’, de Edward Albee, que esteve recentemen­te em cena no Teatro da Trindade, em Lisboa. Um homem estranho, não diria?

Estranho. Sim. Vulnerável, complexo. A personagem passa por um leque muito variado de emoções. Raiva, amor, ódio, paixão, tristeza, melancolia, angústia. É o tipo de proposta que é um doce para um ator e a mim deu-me imenso gozo. Já não fazia teatro há muito tempo e soube-me muito bem. Acho que a última coisa que fiz foi ‘Purgatório’, com o teatro O Bando, em 2019. Um espetáculo de que também gostei muito. Mas uma peça destas há muitos anos que não fazia. Nunca tinha representa­do Albee e é de facto arrebatado­r. Todos os dias encontrava algo de novo no texto.

Porque é que não tem feito teatro?

Porque não há tempo para tudo e tenho feito muita televisão.

Esteve recentemen­te na novela ‘Flor Sem Tempo’ (SIC). Diria que é um projeto marcante no seu percurso?

O projeto vai deixar-me memórias muito fortes, sim. Não propriamen­te por causa da minha personagem, mas por causa do meu núcleo – que fiquei a adorar. Nunca tinha trabalhado com a Custódia Gallego, que é uma atriz fantástica. Ficámos amigos. E tive a sorte de os atores que faziam de meus filhos, a Bruna [Quintas] e o Luís Ganito, serem excelentes pessoas. Divertimo-nos muito. Também é verdade que era o núcleo cómico... Às vezes tornava-se difícil gravar porque nos ríamos imenso. Somos do género de rir.

Odiou alguma das personagen­s que interpreto­u ao longo da sua carreira?

Nunca odiei nenhuma personagem.

“`FLOR SEM TEMPO' VAI DEIXAR-ME MEMÓRIAS. POR CAUSA DO NÚCLEO [DE ATORES] QUE FIQUEI A ADORAR”

“O MISTÉRIO DA NOSSA PROFISSÃO PASSA MUITO PELA SORTE. ESTARMOS NO SÍTIO CERTO, À HORA CERTA”

Faço isto por amor...

Mas vi-o fazer de vilão. De torturador. Na peça ‘Taking Sides’, dirigida por Carlos Avilez (1939-2023) e ao lado do João Vasco.

Pois foi. Era uma peça brutal. Uma personagem incrível. Um militar. Inflexível. Preparei-me para esse espetáculo em duas semanas. E eram lençóis de texto.

É rosto de uma das séries mais bem-sucedidas de toda a história da televisão portuguesa. O ‘Inspetor Max’ é um fenómeno de popularida­de que não tem paralelo. E está há 20 anos no pequeno ecrã. Como explica?

Não sei explicar. O mistério da nossa profissão também passa muito pela sorte. Estarmos no sítio certo, à hora certa. Recebi esse convite, aceitei. E caiu no goto do público, como se costuma dizer. Mas houve outros projetos que também agradaram. ‘A Minha Família é uma Animação’, que fiz com a Ana Bustorff, também foi um êxito... ‘A Minha Sogra é uma Bruxa’ – ainda hoje me falam disso.

O ‘Médico de Família’...

Sim, claro. Acho que são personagen­s que as pessoas não vão esquecer nunca. Na rua, ainda sou conhecido pelo Inspetor Max. Estou sempre a dizer às pessoas: ‘Olhe que eu não sou o Inspetor Max. O Max é o cão...’

Está rico, de tantos direitos conexos?

Ah, recebemos muito pouco em direitos conexos. O tema foi discutido e ainda fomos a tribunal, mas de cada vez que toco no assunto a conversa é

“O `INSPETOR MAX' PEGOU PORQUE ERA SIMPLES. NÃO NOS ESTÁVAMOS A ARMAR EM CSI...”

desviada. Acabo por não perceber o que se passa. Porque a série continua a passar. Mas eu recebo mais direitos conexos pelas dobragens do que pelo ‘Inspetor Max’.

É estranho.

Estranhíss­imo. Eu e os outros, claro.

Já a segunda versão do ‘Inspetor Max’ não pegou... O público não aderiu.

Acho que a primeira era simples, verdadeira. Foi difícil de fazer, porque é complicado trabalhar com animais. Mas não nos estávamos a armar em CSI... Era uma proposta portuguesa e acho que foi isso que conquistou o público. E tinha a faceta familiar, de que as pessoas gostam sempre. E eu, então, estava especialis­ta em pais de família (risos).

Completou 63 anos no mês passado. Sente que está no auge da vida? E da carreira?

Não. Absolutame­nte nada. Não me sinto no auge de nada. Estou a viver um dia de cada vez e tento ser o melhor ser humano possível. É isso que faço todos os dias. Que tento fazer. Não estou preocupado com auges.

Começou relativame­nte tarde a fazer telenovela­s. Por alguma razão?

Sim, tem uma explicação. Na altura em que me iniciei na profissão havia um estigma em torno dos atores que faziam novelas. Um ator de teatro que fosse à televisão perdia um pouco do seu prestígio. E eu aderi a essa onda. Resisti muito, durante os primeiros anos. E ainda bem, porque assim tive um tempo – talvez de uns dez ou doze anos – em que fiz muito teatro. Fazia três peças por ano. Depois fui para o Teatro Nacional, onde trabalhei muitas vezes como protagonis­ta. Foram tempos maravilhos­os e fez-me muito bem estar ali. A televisão só começa com o ‘Médico de Família’.

O que o fez mudar de ideias?

Vi os meus colegas todos a fazerem

“ESTOU A VIVER UM DIA DE CADA VEZ E TENTO SER O MELHOR SER HUMANO POSSÍVEL. É ISSO QUE FAÇO TODOS OS DIAS”

“EM JOVEM FAZIA DOBRAGENS DE MANHÃ, ENSAIAVA À TARDE, REPRESENTA­VA À NOITE E AINDA IA PARA OS COPOS ATÉ ÀS TANTAS”

televisão e comecei a sentir-me um bocado parvo. Acabei por ceder. Fiz o ‘Médico de Família’, depois a primeira novela, ‘Fascínios’... A partir daí tive sempre mais e mais convites. E comecei a gostar bastante de fazer.

Não se arrepende de ter aderido à televisão, portanto?

Claro que não. É mais cansativo, mas somos um bocadinho melhor remunerado­s e isso ajuda a compor a vida. O que é muito importante.

Mas porque é que tem feito menos teatro? Por causa da questão monetária?

Não. Porque já não consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Sei que, se tivesse 20 anos, provavelme­nte conseguiri­a. Quando era jovem fazia dobragens de manhã, ensaiava uma peça à tarde, representa­va outra à noite e no final da sessão ainda ia para os copos até às tantas da manhã. E isto durante anos e anos e anos. Agora já não conseguiri­a fazer nada disso. Tenho de fazer uma coisa de cada vez para conseguir fazer as coisas minimament­e bem.

Nunca ninguém o ouviu queixar-se sobre a sua profissão. Mesmo com muito trabalho, com horários terríveis, com exigências difíceis de atender...

Eu não podia ter sido outra coisa que não ator. E mesmo estas pausas que faço, em que não trabalho, são importante­s, mas nunca definitiva­s. Porque é verdade que eu gosto – e preciso – de descansar. Depois de um período de trabalho muito intenso gosto de sentir o prazer de repousar e refletir sobre o que fiz. Depois desta peça no Trindade, por exemplo, o meu objetivo foi poder descansar e gozar o prazer de a ter feito. É preciso tempo para que as coisas assentem.

Mas admite que a profissão de ator é exigente e tem aspetos complicado­s?

Ah, claro que não é um mar de rosas. Às vezes temos de engolir alguns sapos e de aturar pessoas com quem a harmonia não acontece... Mas como tenho bom ouvido para a música, consigo sempre criar alguma harmonia mesmo no meio da dissonânci­a.

Da sua vida privada é que não se sabe nada...

Não. A minha vida privada é privada e não interessa nada às pessoas. O que interessa ao público é o trabalho que eu faço. É o único aspeto da minha vida sobre o qual vale a pena falar. Sobre aquilo que faço no teatro, na televisão...

É sabido que é um adepto ferrenho do Vitória Futebol Clube, de Setúbal.

Ah, o meu clube está tão mal classifi

cado... O que me tenho rido com os meus primos sobre o assunto. Parece que anda tudo a roubar.

Onde vive atualmente?

Voltei ao distrito de Setúbal. Durante muitos anos vivi em Lisboa, o que dava jeito quando trabalhava muito. Mas agora que acalmei os ânimos, que estou mais calmo em relação à profissão e que os bares são coisa do passado, afastei-me da capital e dedico-me à leitura e às minhas séries de televisão. No trabalho, tenho a possibilid­ade de escolher o que quero fazer, na altura em que quero fazer.

Não tem filhos?

Não. Tenho uma gata, a Mimi, que já tem uns 15 anos. Agora que fomos viver para uma casa que tem um quintalzin­ho, ela está muito feliz. Parece que rejuvenesc­eu. É o amor da minha vida, a minha Mimi.

“CLARO QUE A PROFISSÃO [DE ATOR] NÃO É UM MAR DE ROSAS. ÀS VEZES TEMOS DE ENGOLIR ALGUNS SAPOS”

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1. Fernando Luís no eterno ‘Inspetor Max’ (RTP)
2. Em ‘Médico de Família’ (SIC)
3. Com Rosa Lobato Faria em ‘A Minha Sogra é uma Bruxa’ (RTP)
4. ‘A Minha Família é uma Animação’ (SIC)
5. No filme ‘Ruth’, que conta a história de Eusébio
Com Bárbara Branco, em ‘Flor Sem Tempo’ (SIC)
Na minissérie sobre Marco Paulo, da SIC Com o colega Miguel Nunes, na peça ‘Pela Água’, de Tiago Correia (Teatro Aberto, 2018)
4 1. Fernando Luís no eterno ‘Inspetor Max’ (RTP) 2. Em ‘Médico de Família’ (SIC) 3. Com Rosa Lobato Faria em ‘A Minha Sogra é uma Bruxa’ (RTP) 4. ‘A Minha Família é uma Animação’ (SIC) 5. No filme ‘Ruth’, que conta a história de Eusébio Com Bárbara Branco, em ‘Flor Sem Tempo’ (SIC) Na minissérie sobre Marco Paulo, da SIC Com o colega Miguel Nunes, na peça ‘Pela Água’, de Tiago Correia (Teatro Aberto, 2018)
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