Correio da Manhã Weekend

O que é a competênci­a?

- RUI ZINK ruigzink@gmail.com

Ede repente todos queremos mais competênci­a. É bom. Portugal mudou muito nestes 44 anos de democracia: já só faltam quatro para igualar os anos da ditadura; cinco para a ultrapassa­r. A julgar pela saúde do nosso sistema político, está no papo. Mas quando Portugal perdeu a final com a Grécia em 2004 também “estava no papo”. Fatal como o destino: quando uma pessoa julga que está no papo, lixa-se.

A competênci­a em Portugal é muito parecida com a culpa: esta morre solteira, aquela é sempre para os outros. Antigament­e havia um provérbio terrível: «o trabalho é bom para o preto». Hoje a competênci­a é uma coisa que exigimos, como um cliente ao balcão exige uma bica bem tirada. Exigimos que os nossos bombeiros vençam os fogos num ápice. Poucos exigem competênci­a com tanta competênci­a como um português, sobretudo de férias.

Há três dias, num autocarro de carreira, ia ao pé de mim um casal de toxicodepe­ndentes. Falavam alto, diziam asneiras, e piorou quando a moça se pôs a insultar quem quer que estivesse do outro lado do telemóvel. Ela exigia, barafustav­a, ameaçava. Percebi que faltara a uma reunião importante, talvez em tribunal, mas tentava sair por cima. Depois, num repente, desabou em choro: «Eu sei, não faço nada certo, deixo toda a gente mal, tenho de mudar.» Sol de pouca dura. Logo a seguir já barafustav­a. Ficou mais ufana quando nos aproximámo­s da cidade: euforia de drogado já se sabe a razão. E, quando o autocarro chegou, ela exasperou-se com a lentidão das pessoas a tirarem as coisas: «Vá, andor, não temos o dia todo.»

Esta pobre tresloucad­a exigia competênci­a – aos outros. Não admitia que a incomodass­em, mas (disso não dava conta) passou a viagem a incomodar os passageiro­s do lado.

A mim não incomodou: deu-me material para esta crónica, ou seja, fez-me ganhar dinheiro, que eu até dividiria de bom grado com ela, se soubesse onde mora. E, claro, não o fosse gastar em droga.

Tanta gente me lembra esta jovem pre- cocemente envelhecid­a, mercê das más escolhas. Até a foras-da-lei já ouvi rosnar: «É para isto que pagamos impostos?» Tive de lembrar ao Chimónias que a profissão dele é fugir à polícia.

Isto dito, estivesse eu a coordenar os bombeiros em Monchique, e o fogo teria sido controlado em nem dois minutos. Limpinho.

EXIGIMOS QUE OS NOSSOS BOMBEIROS VENÇAM OS FOGOS NUM ÁPICE

POUCOS EXIGEM COMPETÊNCI­A COM TANTA COMPETÊNCI­A COMO UM PORTUGUÊS

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