O que é a competência?
Ede repente todos queremos mais competência. É bom. Portugal mudou muito nestes 44 anos de democracia: já só faltam quatro para igualar os anos da ditadura; cinco para a ultrapassar. A julgar pela saúde do nosso sistema político, está no papo. Mas quando Portugal perdeu a final com a Grécia em 2004 também “estava no papo”. Fatal como o destino: quando uma pessoa julga que está no papo, lixa-se.
A competência em Portugal é muito parecida com a culpa: esta morre solteira, aquela é sempre para os outros. Antigamente havia um provérbio terrível: «o trabalho é bom para o preto». Hoje a competência é uma coisa que exigimos, como um cliente ao balcão exige uma bica bem tirada. Exigimos que os nossos bombeiros vençam os fogos num ápice. Poucos exigem competência com tanta competência como um português, sobretudo de férias.
Há três dias, num autocarro de carreira, ia ao pé de mim um casal de toxicodependentes. Falavam alto, diziam asneiras, e piorou quando a moça se pôs a insultar quem quer que estivesse do outro lado do telemóvel. Ela exigia, barafustava, ameaçava. Percebi que faltara a uma reunião importante, talvez em tribunal, mas tentava sair por cima. Depois, num repente, desabou em choro: «Eu sei, não faço nada certo, deixo toda a gente mal, tenho de mudar.» Sol de pouca dura. Logo a seguir já barafustava. Ficou mais ufana quando nos aproximámos da cidade: euforia de drogado já se sabe a razão. E, quando o autocarro chegou, ela exasperou-se com a lentidão das pessoas a tirarem as coisas: «Vá, andor, não temos o dia todo.»
Esta pobre tresloucada exigia competência – aos outros. Não admitia que a incomodassem, mas (disso não dava conta) passou a viagem a incomodar os passageiros do lado.
A mim não incomodou: deu-me material para esta crónica, ou seja, fez-me ganhar dinheiro, que eu até dividiria de bom grado com ela, se soubesse onde mora. E, claro, não o fosse gastar em droga.
Tanta gente me lembra esta jovem pre- cocemente envelhecida, mercê das más escolhas. Até a foras-da-lei já ouvi rosnar: «É para isto que pagamos impostos?» Tive de lembrar ao Chimónias que a profissão dele é fugir à polícia.
Isto dito, estivesse eu a coordenar os bombeiros em Monchique, e o fogo teria sido controlado em nem dois minutos. Limpinho.
EXIGIMOS QUE OS NOSSOS BOMBEIROS VENÇAM OS FOGOS NUM ÁPICE
POUCOS EXIGEM COMPETÊNCIA COM TANTA COMPETÊNCIA COMO UM PORTUGUÊS