Correio da Manhã Weekend

Vade retro, satanás! Agora sou eu!

- JOSÉ DIOGO QUINTELA zdq@cmjornal.pt TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA

Certo dia, Jesus encontrou um possesso. Perguntou ao demónio como se chamava. ‘O meu nome é Legião, porque somos muitos’. Disse-lhe Cristo: ‘Não é o melhor romance de Lobo Antunes, mas tudo bem’. E expulsou os espíritos malignos, mandando-os para uma vara de porcos que pastavam ali ao lado. Desembesta­dos, os porcos jogaram-se de uma falésia, num desperdíci­o de febras que só se compreende por naquela zona não se apreciar o pitéu.

Dois mil anos depois, constata-se que ainda é forte a ligação entre exorcismo e porcos: Humberto Gama, ex-padre, actual porcalhão, foi detido por violar uma mulher, enquanto a exorcizava. A natureza tem horror ao vazio, mas, pelos vistos, a sobrenatur­eza também: o Padre Gama expulsa o demónio e, de pronto, ocupa o seu lugar, para que nenhum outro espírito entre à socapa. Jesus enviou os demónios para os porcos, o Padre Gama substitui o demónio por um porco. É parecido, mas a exorcizada notou a diferença. Não foi a primeira vez. O Pe. Gama deve ter visto a fita ‘O Exorcista’ e acha que, naturalmen­te, um homem de batina e a falar latim põe a cabeça das garotas a andar à roda. Teve azar. Hoje em dia é fácil encontrar alguém simples o suficiente para acreditar em possessões, mas também sofisticad­a ao ponto de estar a par do #metoo.

Acompanho as notícias e reparei que o número de exorcismos anda a diminuir. A percentage­m da população endemoninh­ada já foi mais significat­iva. No Novo Testamento, por exemplo, depois de fariseus, o grupo mais representa­do é o dos possuídos. E, na Idade Média, era difícil não tropeçar em possessos – até porque são traiçoeiro­s e pregam rasteiras. Hoje em dia, o número é residual, ao ponto do INE não o considerar estatistic­amente relevante. Por que será?

Debrucei-me sobre o tema e conclui que a humanidade deixou de ter interesse para os demónios. As pessoas perderam qualidade e já não são apelativas. Antigament­e, havia gente que dava bom vasilhame de diabretes. Mas agora o material é bera. Capaz que seja do tipo de alimentaçã­o, com excesso de proteína. Se faz um hálito desagradáv­el para fora, imagine-se para dentro. Tanto que, há dois anos, Passos Coelho disse que vinha aí o Diabo e ele nunca apareceu. Deduz-se que Belzebu tenha mudado de ideias.

O ideal era apanhar um desses demónios e perguntar-lhe directamen­te a razão. É pedir ao Pe. Gama para, no próximo exorcismo, agarrar-se ao espírito maligno, em vez de aos seios da possuída.

PS – estranha-se o silêncio do Bloco de Esquerda. Afinal, na prática, o exorcismo é um despejo. Há uma população minoritári­a de mafarricos que é expulsa das suas habitações, por não se conformar aos padrões da sociedade. No fundo, como os ciganos. Existirá demoniofob­ia na sociedade portuguesa?

O PADRE GAMA

EXPULSA O

DEMÓNIO E, DE PRONTO, OCUPA O SEU

LUGAR

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