Correio da Manhã Weekend

“DEPOIS DO 25 DE ABRIL A GUERRA TORNOU-SE MAIS DURA”

A desinforma­ção confundia as nossas tropas. Parecia que alguma coisa ia correr mal

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Calhara- me ser “voluntário à força” no Centro de Operações Especiais de Lamego, onde se aprendia a controlar o medo. Rapaz com simpatia por uma esquerda muito interventi­va, acabei por ser mobilizado para Angola, como muitos foram. As contradiçõ­es juvenis refugiavam-se na ideia de fazer trabalho ideológico e ter que safar a pele. Talvez as coisas não corressem mal. Por ter estado em Lamego, sendo alferes, parti a comandar a 1ª companhia do batalhão, pois o capitão entrou de baixa na véspera do embarque.

Em 1973, os batalhões como o nosso saíam de Portugal com meio contingent­e e eram completado­s com recrutamen­to local.

Aos 22 anos, a comandar uma companhia, impreparad­o no que dizia respeito a administra­ção militar, circulei durante uma semana por várias repartiçõe­s, em Luanda, a receber instruções, mas nunca me foi dito nada sobre as populações que iria encontrar. Fiquei a saber que iríamos para o norte, patrulhar a antiga Rota do Café, zona de infiltraçã­o da FNLA. Nada mais.

A minha companhia foi partida. O meu pelotão ficou a proteger o comando do batalhão estacionad­o no Toto. Um outro foi reforçar a companhia destacada para Bessa Monteiro, e outros dois foram para a destruída Missão do Bembe. Havia, ainda, uma outra companhia no Colonato do Vale do Loge e mais duas independen­tes, nas inóspitas Quimaria e Quibala.

Por aqui fora o corredor de escoamento do café para os portos de Ambriz e Ambrizete. Agora, a importânci­a da zona era estratégic­a para controlo de todo o norte, face às infiltraçõ­es da FNLA vindas dos campos de treino no Zaire, a caminho das bases do Songo e do Luena.

O 25 de Abril

As noites na mata, em sucessivos patrulhame­ntos, tornaram-se um hábito. Quando eram detetadas colunas de grande dimensão, vinham os “paras” e o reboliço era maior.

Um dia, fui enviado com outros 22 homens para deter uma coluna de cerca de 300… uma tempestade travou a progressão, mas deixou-nos isolados com o repentino caudal de um rio.

No dia 25 de abril de 1974, saímos de madrugada. À noite, à chegada ao quartel, soubemos de uns rumores de difícil perceção. Depois, sim, as notícias começaram a chegar. Primeiro, as oficiais, confusas. Depois, todos começaram a receber das namoradas e dos amigos a informação clara da reviravolt­a. Começou a perpassar a dúvida se a guerra continuava. E continuou, pois os três movimentos de libertação de Angola queriam marcar território antes do início das negociaçõe­s. A guerra tornou-se, até, mais dura em muito lado e a desinforma­ção confundia as nossas tropas. Parecia que alguma coisa iria correr mal.

Outro Portugal

Sorte. O Batalhão mudoupara uma chamada zona de descanso. A minha companhia voltou a juntar-se, na paradisíac­a mas quase abandonada vila do Ambriz. Os guerrilhei­ros saíram da mata e nemsem-

Em maio de 75 regressámo­s a um outro Portugal, com a ilusão de recuperar vidas interrompi­das, mas o estado de alma também nos iludia

Rapazes iam obrigados, mas eram generosos e valentes

pre a cooperação foi fácil, entende-se porquê. Mas passou-se.

Em maio de 1975 regressámo­s a um outro Portugal, com a ilusão de recuperar vidas interrompi­das, mas o estado de alma também nos iludia, por vezes.

Cada qual foi à sua vida. Seria diferente sem a guerra? Talvez. O que ficou? Umesforço inglório? Os rapazes foram obrigados, mas eram genuínos, generosos e valentes, e isto será sempre reconhecid­o àqueles que por lá andaram nos alvores das suas vidas. Eles sabem que há quem reconheça o valor de quem se expôs e esteve com brio num serviço militar obrigatóri­o.

Ah! Ficaram as conversas sobre Adolfo Pinho, angolano do MPLA, incorporad­o no nosso pelotão e que desertara. Que fora feito dele? Recontarmo-lo 40 anos depois!! Em Portugal - e o pelotão voltou a reunir! Em festa!

 ??  ?? NOMEACÁCIO SOUSACOMIS­SÃOANGOLA, 1973-1975FORÇA INFANTARIA, 1ª C. CAÇ. DO BATALHÃO DE CAÇADORES 4614* INFO 67 ANOS, APOSENTADO, PRESIDENTE DO ORFEÃO DE LEIRIA, DIRETOR DO ISLA-LEIRIA
NOMEACÁCIO SOUSACOMIS­SÃOANGOLA, 1973-1975FORÇA INFANTARIA, 1ª C. CAÇ. DO BATALHÃO DE CAÇADORES 4614* INFO 67 ANOS, APOSENTADO, PRESIDENTE DO ORFEÃO DE LEIRIA, DIRETOR DO ISLA-LEIRIA
 ??  ?? 1No regresso de uma operação 2O pelotão foi colocado no norte de Angola 3Adolfo Pinho, que desertou para o MPLA, é o primeiro à esquerda 4Leitura na mata com o ‘Comércio do Funchal’ 5Momento de descanso no capim
1No regresso de uma operação 2O pelotão foi colocado no norte de Angola 3Adolfo Pinho, que desertou para o MPLA, é o primeiro à esquerda 4Leitura na mata com o ‘Comércio do Funchal’ 5Momento de descanso no capim

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