Os novos evangelistas dos ecrãs
Fragmentadas as sociedades e a comunicação, acentuou-se um novo desconcerto do mundo para quem precisa de orientação: muitos já não sabem o que querer e até o que crer. A secularização dos Estados e da sociedade afastou a orientação religiosa, que era uma orientação moral. O entretenimento, novo império do mundo, tomou em boa medida esse espaço: depois de rarearem fiéis nos templos e padres e evangelistas nos ecrãs maioritários, os novos ocupadores de tempo pelo espectáculo — ‘entertainers’, sem tradução em português — tornaram-se crescentemente moralizadores. Dizem-nos o que está certo pensar, o que está certo fazer, o que está certo dizer. São, em parte os criadores dum moralmente correcto que antes estava no templo e agora está em todos os televisores, computadores, telemóveis. O secreto confessionário da igreja tornou-se público no ‘Big Brother’ e em tantos outros programas. As Cristina Ferreira e Júlia Pinheiro todas as manhãs comentam o Bem e o Mal. São apenas a ponta do icebergue.
O moralmente correcto está nas passadeiras de Hollywood, quando vestidos negros exibidos com exibição exibicionista cobrem os corpos de actrizes em acção política contra o assédio sexual; está na gala dos Globos de Ouro, quando R. Guedes de Carvalho exprime a sua posição sobre o caso particular duma amiga e apresentadora; está num concerto dos U2, quando Bono se veste de palhaço para uma qualquer mensagem política; está no corte de ténis, quando Serena, a perder, diz que o árbitro é ‘ladrão’ porque ela é mulher e mamã; está no televisor quando um entertainer, Noah Trevor, no seu ‘Daily Show’, dá uma lição de moral a mi- lhões de espectadores sobre o episódio Serena Williams-Carlos Ramos.
Assiste-lhes a liberdade de opinar. Mas interessa aqui, só, este novo fenómeno, que transferiu a orientação ideológica da sociedade, ou parte dela, para ‘entertainers’. Há estudos de opinião que indicam que a influência desta nova elite de topo nas decisões da opinião pública, incluindo a dos seus fãs, é mínima na Europa (e mais presente nos EUA), mas imenso tempo dos media é ocupado com lições morais por gente cuja especialidade é cantar, actuar, jogar e apresentar. As suas opiniões são decerto válidas, mas não têm contrapartida quantitativa de outros, com outras opiniões, e porventura mais preparadas. São pesos pesados da moralidade. São os novos evangelistas, os novos tele-evangelistas, que voluntariamente ou não, inculcam uma moralidade politicamente correcta com um contraditório nulo, silencioso ou até silenciado. Ficam saudades do tempo em que os ‘entertainers’ se concentravam em entreter.
O CONFESSIONÁRIO DA IGREJA TORNOU-SE
PÚBLICO NO ‘ BIG BROTHER’ E EM
TANTOS OUTROS
PROGRAMAS