“A AVIONETA EMBATEU NUMA ÁRVORE E CAIU REDONDA”
Conduzi debaixo de fogo, vi arder uma Mercedes cheia de vinho e abri uma pista para que um bimotor nos levasse pão
Do Cais da Rocha, em Lisboa, embarquei rumo a Moçambique a 24 de outubro de 1964. Cheguei a Nacala Porto a 18 de novembro. O ‘Quanza’ – que navegava a uns míseros 14 nós (26 km/h) – fez escala em Luanda, Lourenço Marques e na Cidade da Beira. De Nacala seguimos de comboio para o Alto Molócuè, onde estivemos oito meses.
A 23 de junho de 1965 partimos para a zona de Mueda, onde chegámos incólumes quatro dias depois. Chegados às três da tarde, descansámos uma hora e seguimos de pronto para a Sociedade Agrícola Algodoeira, ou SAGAL – o acrónimo aguçará a memória de tantos quanto para mim foi referência. A 30 quilómetros de Mueda, em plena estrada para Mocimboa da Praia, a fábrica votada ao abandono pelos desertores involuntários da guerra serviu de base por três meses.
O batismo de fogo deu-se às portas daquele refúgio. Afortunadamente, ninguém ficou ferido – a ajuda inesperada de um avião de combate foi crucial, admito. A 10 de julho sofremos o segundo ataque. Uma emboscada, naquela mesma estrada, impor-nos-ia a primeira baixa.
Onde começou a guerra
Agosto de 1965. Um pelotão da minha companhia, em coluna com dois outros de uma companhia distinta, partiu em reconhecimento para norte. Estacionámos na Missão Católica do Embu - a guerra havia começado ali. Parqueámos as viaturas naquele local e partimos a pé, à procura de povoados inimigos que, uma vez lá chegados, se mostravam vazios. Já não estava lá ninguém. À partida, eu e o meu pelotão guiámos os destinos da coluna; na jornada de regresso, as posições inverter am– s e , havíamos de s e guir atrás. Soubemos depois que fomos vigiados o dia todo pelo inimigo. Já de volta, a dois quilómetros do local onde deixámos os veículos de combate, esperavanos uma emboscada aterradora. O pelotão da frente sofreu três mortos e dez feridos, uma das maiores chacinas com que tive de conviver. Todos os pelotões estiveram debaixo de fogo.
Em setembro rumámos a Mocimboa do Rovuma, mais a nor- te, em zona igualmente perigosa. Sempre que nos deslocávamos a Mueda para reabastecer despontavam problemas – ataques, emboscadas com bazucas, granadas de mão e minas anticarro. Recordo a emboscada a toque de bazuca, que acabaria desgraçadamente por atingir uma Mercedes carregada de barris de vinho e combustível. Parecia teleguiada, ardeu completamente. Tivemos um morto e cinco feridos. Eu seguia como condutor do carro de escolta, o primeiro veículo atrás da infeliz Mercedes, e fui dos primeiros a chegar-lhe junto. O cenário era horrendo - do pior que por lá vivemos -, mas não tão diferente de outros que se seguiriam.
Ordem dada, quatro condutores da companhia seguiram para transportar um pelotão de paraquedistas que acabava de aterrar
“A dois quilómetros do local onde havíamos deixado os veículos de combate esperava-nos uma emboscada aterradora
“O pelotão da frente sofreu três mortos e dez feridos, uma chacina
em Mueda, para reconhecimento a norte. Eu fui, claro. Sofremos dois ataques. A investida noturna, com granadas de mão, terminou sem mortos. Um outro avanço, à luz do dia, revelar-se-ia mais tenebroso. Um paraquedista que seguia na viatura que eu guiava morreu no local. Abrimos depois uma pista improvisada para que uma avioneta nos abastecesse de pão – aterrou bem e serviu-nos. Ao descolar, embateu numa árvore e caiu redonda. Faleceu o piloto. Foi difícil retirá–lo daquele bimotor.
Quando deixámos a zona de guerra deslocámo-nos para Namialo, a 80 quilómetros de Nampula, onde passámos o resto da Comissão. A 8 de março de 1967, embarcámos em Nacala. Os 17 nós do ‘Niassa’ fizeram-nos voltar mais depressa do que a viagem de ida: chegámos a 3 de abril.