Correio da Manhã Weekend

DEPOIS DE 26 ANOS DE PAZ LABORAL, A AUTOEUROPA TEVE

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A PRIMEIRA GREVE LOGO SETE MESES DEPOIS DA SAÍDA DESTE HOMEM DA UNIDADE DE PALMELA. A ENTREVISTA COM ANTÓNIO CHORA, O MÍTICO LÍDER DA COMISSÃO DE TRABALHADO­RES (CT) FALA SOBRE A SUA VIDA DE TRABALHO - COMEÇOU AOS 11 ANOS, DEPOIS DE CONCLUIR O PRIMEIRO ANO DO PREPARATÓR­IO -, A SUA MILITÂNCIA NO PCP, A ENTRADA PARA O BE E, SOBRETUDO, OS TEMPOS À FRENTE DA CT

Oúltimo dia de trabalho na Autoeuropa foi a 17 de janeiro de 2017. António Chora deixava para trás 26 anos na Volkswagen Autoeuropa, que produz atualmente 139 mil veículos, um número histórico na vida da unidade industrial de Palmela, que ocupa o segundo lugar na lista das maiores exportador­as nacionais - o PIB português depende da saúde daquela empresa alemã no nosso país. António Chora liderou a Comissão de Trabalhado­res e, por isso, a paz social que ali se viveu tem para sempre o seu nome. Sete meses depois de ter saído reformado, a lista eleita fez greve.

O que é um bom patrão?

Eu não sei. Nós vivemos num País de patrões e isso é complicado. Preferia viver num país de empresário­s porque o patrão é aquele que só vê o presente. Hoje dá lucro, amanhã não dá e desfaz-se da empresa. Não lhe sei dizer o que é um bom patrão. Sei dizer o que é umbom empresário e que há muitos. O bom empresário é aquele que abre uma empresa e a mantém por dez, vinte, trinta, quarenta anos a funcionar.

Antes de se dedicar à Comissão de Trabalhado­res por inteiro, quais foram as suas funções ?

Pertenci à preparação de trabalho, manutenção geral de estruturas e infraestru­turas. No início tive na manutenção de produção na área de carroçaria­s.

Quanto ganhava no topo da sua carreira?

Era então técnico de nível três e no último ano, antes de me vir embora, fui promovido a técnico de nível quatro, mas, mesmo assim, não tive o prazer de poder auferir o mesmo que os outros que estavam no mesmo nível.

Estamos a falar de quanto?

De 1600/1700 euros com os 25 por cento do subsídio de turno. Portanto, brutos, dois mil euros.

Acha que depois da sua saída, os interesses dos sindicatos e não necess a r i a ment e o s i nt e r e s s e s d o s trabalhado­res, passaram a dominar a vida na Autoeuropa?

Não sei. Houve um período complicado que um colega meu chamou de ‘assalto ao castelo’, com reorganiza­ção de forças e de interesses partidário­s, mas isso é natural. O que não é natural é as pessoas abdicarem do interesse dos trabalhado­res em defesa da política e do sindicalis­mo.

Então houve outros interesses?

Houve problemas que se criaram de novo para os quais toda gente estava avisada que iriam existir – o trabalho em laboração continua ou os rotativos. Há que lutar, há que negociar, mas a greve deve ser a última arma. A bomba atómica dos trabalhado­res e não a bala.

Porque acha que a sua forma de gerir os conflitos não fez escola?

Não sei, vamos ver como tempo.

Percebeu que havia gente interessad­a em ficar com o seu lugar?

Sempre houve cinco ou seis listas a concorrer porque havia conceitos diferentes de sindicalis­mo. Não vamos negar que as duas centrais sindicais estão ligadas aos partidos políticos e, portanto, travam lutas dentro das empresas, lutas que são de caráter partidário.

E o António Chora concorria por quem?

Sempre como independen­te. Fiquei farto de alinhar emquestões políticas, de ir às reuniões à sexta-feira para sa-

“Não sei dizer o que é um bom patrão. Sei o que é um bom empresário

“O patrão, que tinha comprado um Porsche mas não pagava salários, explicou-me que se chegasse de Mini a um banco não lhe estacionav­am o carro

ber o que ia dizer naComissão de Trabalhado­res na segunda. Isso comigo não funciona. Eutinha listas commilitan­tes do PSD e simpatizan­tes do CDS mas que eram pessoas que defendiam os interesses dos trabalhado­res. E isso é que interessa.

Mas chegou a ir a reuniões à sexta-feira?...

Sim, no início. Em1976, 1977, 1978, ao PCP. Orgulho-me do meu passado. Não me arrependo de nada.

Com que idade é que entrou para o partido?

Muito novo, em 1969, tinha 14 ou 15 anos.

E o que é que um adolescent­e fazia então num partido como o PCP?

Muita coisa. Havia o ‘Avante’ para distribuir, as paredes para pintar com frases contra a Guerra Colonial, havia que agitar as massas, que pedir a liberdade para os presos políticos. Havia o 1º de maio e o 5 de outubro, havia os soldados a serem enterrados naquele cemitério que está ali à entrada davilae que nós pintávamos comfrases a pedir o fim da Guerra Colonial, nem mais um soldado para as colónias, assassinos, abaixo a PIDE.

Andou a fugir à PIDE?

Não. Era demasiado novo para implicarem comigo, mas uma vez fui seguido por um carro da PIDE, um carocha preto, desde Alhos Vedros até à Baixa da Banheira. Chamavam-me “gaiato disto, gaiato daquilo”, só que a certa altura, quando cheguei aqui, meti-me pelas salinas. E os carros não conseguem andar pelas salinas, não é? Quando cheguei a casa, eles estavam lá à porta. Para além disso, nunca tive problemas doutra natureza, a não ser, é claro, ameaças da GNR.

O que é que o seu pai achava disso?

Achava muito mal. Tinha familiares que morreram no Tarrafal, em Montemor durante arevolta pelas oito horas de trabalho, e o meu pai tinha muito medo.

Como é que um miúdo com 14 anos tem consciênci­a política?

Eu comecei a trabalhar com 11 anos. No ano em que houve as cheias em Lisboa fui trabalhar para lá, para os depósitos da Covilhã, e depois vivia num sítio em que a atividade política era muito grande. Frequentáv­amos um ginásio: havia jovens que iam para os bailaricos e outros para a secção cultural onde se falava muito de política e, de vez em quando, havia alguns mais velhos que iam presos, e isso revoltava-nos a todos. Por cada pessoa que prendiam, arranjavam mais três militantes contra o regime. Depois havia a Guerra Colonial, que se aproximava a passos largos de todos a partir dos 15 anos de idade. Isso levava uns a quererem ir porque eram todos patriotas e outros - a maioria - a não querer. Muitos fugiram. Havia aqui um grande número de desertores.

E o que é que pensava fazer? Desertar, ir paraFrança. Estava apreparar-me para isso. Eu sempre disse que morria pela minha terra mas não ia matar pessoas que estavam a defender a terra deles.

Como foi a sua inscrição no PCP?

Aoficial, logo a seguir ao 25 de abril.

Chegou a conhecer figuras do partido?

Poucas e nem sequer sabia quem eram porque usavam nomes falsos, e só mais tarde sabíamos de quem se tratava. Conheci, por exemplo, um tal de Lindolfo que traiu uma série de pessoas, que foram todas presas.

Foi para a Assembleia Municipal da Moita após o 25 de abril. Como foi?

Era o papagaio de serviço. Era o ideólogo da assembleia. O meu papel era mais criticar do que construir alguma coisa. Assumo isso. Defender o partido acima de tudo.

Nasceu em Montemor-o-Novo e depois foi com a família para Évora. Quem eram os seus pais?

O meu pai era um marceneiro reparador de móveis e de antiguidad­es, que tambémcons­truía. Àminhamãe não lhe conheci na altura outra profissão a não ser a da casa – o que não era pouco – pois éramos três irmãos, dois sobrinhos, dois primos e uma avó. Fui viver para Évora em 1959-60, o meupaiveio para aqui arranjar trabalho. Depois arranjou umanexo e chamou-nos, até arranjar casa na Baixa da Banheira.

Porque é que começou a trabalhar aos 11 anos?

Não havia outra hipótese. Na altura, os empregados da CUF estudavam de graça na Escola Alfredo da Silva, ou- tros como eu não. Não tínhamos hipótese de comprar livros - o sindicato do meupai dava-nos uns todos rabiscados. Mas tinha faltas por não ter material escolar e quando cheguei ao fim do primeiro ano do preparatór­io, disse que não queria mais.

De quanto foi o seu primeiro ordenado?

Sete escudos e qualquer coisa por semanae por isso acabei por ir para Lisboa ganhar 300, o que já era alguma coisa. Levantava-me de manhã, a minha mãe fazia-me uma buchazinha e às vezes ia a pé até ao autocarro para poupar dinheiro para o tabaco. E pronto foi assim até 1968, quando fui para a Cooperativ­a do Bacalhau ganhar mais oito escudos, depois paraos andaimes e depois para a construção civil novamente. A seguir ao 25 de abril fui logo dirigente sindical coatado - havia então uma crise na construção civil como a de 2008-2010. Nessa altura, aprendi uma coisa com

um patrão que, no meio daquela crise, comprou umPorsche para si próprio. Tive uma discussão com ele e disse-lhe: “Porque é que comprou umcarro e não pagaos salários?” E ele respondeu-me que se chegasse “de Mini a um banco, ninguém lhe arrumava o carro”. Era verdade e infelizmen­te ainda hoje continua a ser. Ele conseguiu através de compromiss­os com os trabalhado­res pagar os salários, a pouco e pouco, até mesmo depois de eu sair de lá, em 1976 ou 1977, para ir para Siderurgia Nacional. Manteve a empresa a trabalhar com umapaz social interessan­te – era uma empresa de construção e fez os dois prédios mais altos da Quinta da Lomba e toda a urbanizaçã­o por detrás do tribunal velho do Barreiro. Trabalhei emalguns desses prédios.

Onde estava durante a crise dos anos 80?

Na Siderurgia Nacional, onde atravessám­os um período de greve de 29 dias. Foi uma extraordin­ária vitória sindical, pois conseguimo­s o mesmo aumento que aUGT tinhaconse­guido logo no primeiro dia que nós entrámos em greve. Greve essa em que houve trabalhado­res despedidos por agressões a trabalhado­res da UGT, houve trabalhado­res castigados por abandono do posto de trabalho, tudo fruto do desmantela­mento que a siderurgia estava a ser alvo depois de se ter endividado em milhões de euros, emcoisas como fornos novos, depois vendidos para a Índia, onde ainda hoje trabalham.

Nessa altura estava no PCP…

Participav­a em todas as manifestaç­ões, greves gerais, porque nessas coisas o PCP nunca se deixou adormecer.

Quando saiu do partido?

Em 1999 porque, como concorri em listas independen­tes, tivemos umdesaguis­ado político que já vinha desde o período dos renovadore­s comunistas e de algumas ausências minhas às reuniões dacélula. Nesse ano, o partido ganhou a Comissão de Trabalhado­res por mais um, com promessas mirabolant­es, e eu soube que tinham escrito um artigo onde me chamavam social-democrata - que a lista dos sociais-democratas tinha sido derrotada - e isso foi o culminar da bola de neve e pedi a demissão.

O que quer dizer com a expressão “bola de neve”?

Desde 1989, do comunicado do partido a apoiar os golpistas na União Soviética que tentavam reverter o processo democrátic­o em curso, comunicado com o qual discordei. Depois comaexpuls­ão dos militantes – entre os quais o meu amigo, recentemen­te falecido, João Semedo. Era uma bola de neve, congresso após congresso, expulsões após expulsões, e depois o tal artigo de umresponsá­vel da célula, que vivia no Barreiro.

E saiu de ânimo leve?

Agente nuncasaido partido de ânimo leve. Deixamos lá conhecimen­tos, amizades e pseudo amizades. Ainda por cima é difícil viver numa zona destas, quando se deixa o partido, porque há gente que nos olha de lado. Mas isso passou como tempo.

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“O sindicato do meu pai dava-nos uns livros todos rabiscados

Como se aproximou do Bloco de Esquerda?

Tinha contactos. Não o João Semedo porque ele estava no Porto, mas o Miguel Portas, através de umamigo comum que veio aqui a casa pedir-me para aderir ao BE. Dizia que era uma reunião por mês, que não havia células, que o objetivo era outro, eram as questões sociais. Fui experiment­ar em 1999 e a reunião por semana depressa se transformo­u em duas, ou mais, logo em2000. O envolvimen­to foi tão grande como como PCP.

O que diferencia o PCP do BE?

Não há células de empresas, as pessoas têm mais autonomia. O PCP tem sempre um caráter mais político, é um partido marxista-leninista e o Bloco não é. Despi o casaco do Lenine.

Como é que fez isso?

Se calhar caiu-me uma pedra do muro de Berlim em cima – o que antes chamava de muralha antifascis­ta, era mesmo uma cortina de ferro. Vi a alegria daquelas pessoas a saltarem para o lado de cá e isso não acontece por acaso.

Comoéqueho­je discute estas questõesco­mumex-camaradase­u?

Evito. Até porque não leva a lado nenhum. Eles fizeram autocrític­a e chegaram à mesma conclusão, de que a classe marxista-leninista foi afastada por uma classe dominante que usava o cartão do partido, para seremos novos explorador­es da classe operária. Hoje o PCP não vê isso assim….

Mas todos já ouvimos declaraçõe­s polémicas de membros do PCP acerca de determinad­os países…

Eu sei a que se está a referir. Às vezes, no calor dadiscussã­o, saemessas coisas, mas depois retratam-se.

O que aprendeu à frente da Comissão de Trabalhado­res?

Asermais tolerante, mais aberto àdiscussão, aser mais interessad­o no estudo das questões laborais sem cariz ideológico, sem o curso da lutas de classes que era preciso ter para ser um bomdefenso­rdos trabalhado­res. Apesar de reconhecer que a minha classe estáaperde­r aluta, infelizmen­te.

E é inevitável que isso aconteça?

Não, o problema é que já Marx dizia “proletário­s de todo o mundo uni-vos” e enquanto isso não acontecer…

Como é que vê o futuro do sindicalis­mo face à alteração dos sistemas de produção, à procura de mercados mais baratos e à robotizaçã­o?

O sindicalis­mo tem de se adaptar. O maior erro que pode fazer é lançar-se contra a automatiza­ção e a robotizaçã­o. Deve é defender o caminho de redução do horário de trabalho porque no início do século XX, as pessoas trabalhava­m 16 horas por dia, lutaram pela redução, todos disseram que seria uma calamidade e a verdade é que hoje se trabalha metade das horas que se trabalhava e a produtivid­ade é 40 ou 50 por cento superior . O capitalism­o nunca teve tendências suicidária­s, portanto vai arranjar maneira de as pessoas compraremo que vaiser produzido, e a melhor maneira é reduzir o horário de trabalho – quatro horas por trabalhado­r, com salário por inteiro e, num futuro mais longínquo, três horas -, para que haja salários e segurança social. Se querem tirar lucro têm de vender – o que adianta a um capitalist­a fazer cinquenta mil camisas se só vende cinco mil? Vai ter de arranjar maneira de as pessoas poderem comprar pelo menos 49 mil camisas.

Mas não acha que será preferível ter uma empresa a funcionar com máquinas do que ter de pagar um salário por inteiro por três horas de trabalho a um homem?

As máquinas nunca vão trabalhar sozinhas. Dizem que os carros vão andar sozinhos e que a inteligênc­ia artificial é muito bonita, mas no meio da estrada não distingue um caixote de uma criança. A inteligênc­ia artificial ainda vai levar muitos anos a poder contar com uma coisa que se chama consciênci­a, que só o ser humano tem. As máquinas vão precisar de homens para as comandar. Na Autoeuropa, a Comissão de Trabalhado­res foi sempre impulsiona­dora da robotizaçã­o, sempre que a empresa crescia. Porquê? Porque não perdíamos trabalho. Dos trabalhado­res que estavam na linha robotizada, uns iam para outras linhas, outros ficavam para reparar e comandar, substituir o que fosse preciso.

Mas como a robotizaçã­o é o futuro – um futuro que não é o meu, nem o seu – perguntava-lhe se o sindicalis­mo é uma ocupação em vias de extinção?

Não. Recordo-me às vezes, no início dos anos 90, naNovaZelâ­ndia, quando houve uma tentativa para acabar com os sindicatos, a contrataçã­o coletiva, e passar tudo a contratos individuai­s de trabalho. O que aconteceu foi que os trabalhado­res indiferenc­iados sujeitaram-se a isso, mas os qualificad­os começarama­exigir cada vez mais dinheiro e quase que tiveram de

“Caiu-me uma pedra do muro de Berlim em cima

estimular os sindicatos para conter a avalanche. Sem sindicatos, voltávamos ao século XIX, quando por um problemaos trabalhado­res partiamas máquinas. Quando uma pessoa está perdida, é natural que se revolte. Penso é que os sindicatos devem vir a ser outra coisa – menos ideológico­s porque nessa altura, comesse nível de instrução, a ideologia terá de ficar para trás. Terão de ser mais práticos, saber dar aos trabalhado­res aquilo que eles pedem – não lhes podem dar um copo de água quando pedem um jornal. Chamem-lhe Ordemouo que quiserem. Criou-se a Ordem dos Enfermeiro­s e, hoje em dia, vemos que só depois o sindicato vai atrás. As pessoas gostam mais dessa palavra - Ordem- é umluxo.

Porquê?

É umluxo. Isto é umPaís de doutores. Euestavana­Autoeuropa­e muitas vezes ligavam-me: “Dr. António Chora?...” Eudizia: “Ohdesculpe lá, eusó tenho 12º ano.” Uma coisa de que eu gostei muito foi da gestão americana daAutoeuro­pa, entre 1994 e 1999, em que não havia títulos em cima da mesa. Eles bem tentaram mas a primeira coisa que o americano fez foi deitar os títulos de doutor, que estavam em cima da mesa, no caixote do lixo. A gente vai ao banco e se tem uma licenciatu­ra aparece logo um cartão crédito com o doutor atrás do nome. Para que é que isso serve?

Portanto temos um País de doutores governado pelo PS com a ajuda do Bloco e do PCP….

Ajuda? Vá, uma colaboraçã­o, diga- mos assim. Isto é uma questão cultural. Um governo não pode fazer um decreto a dizer que acabou os doutores.

Porque que é que diz que é cultural?

Tivemos 48 anos de regime fascista, em que havia logo a distinção entre a escola industrial e o liceu, os que iam para a escola eram operários, para os liceus iam os futuros doutores, engenheiro­s, advogados. Eu não sou contraisso mas penso que todas as escolas deviam ser industriai­s e comerciais e, a partir do 12º ano, cada um fizesse com a vida o que quisesse, mas pelo menos todos ficavamcom­umaferrame­ntanamão, que é o grande problema da nossa juventude. Têm 12º ano mas ninguém sabe trabalhar. Saem comumcanud­o, mas não sabemfazer mais nada, e acabam na caixa do Pingo Doce ou do Continente. Tiraram um canudo, mas não sabem fazer nadadaquil­o de que temos falta. Se estamos num distrito que é industrial, devíamos ter o cuidado de pensar que precisamos de umcerto número, por exemplo, de engenheiro­s, mas que tivessem começado na escola a sujar as mãos. As escolas devemter as disciplina­s básicas de química, física e matemática­paraque esses alunos tenhama capacidade de entrarem para a universida­de se quiserem mas devemter as ferramenta­s necessária­s para, se falharem nauniversi­dade, não fazerem daquilo umacreche – que possamsair da universida­de para ir trabalhar, como eufiz aos 11 anos.

Tem filhos? Qual foi o percurso deles?

Tenho, dois. Ele foi para a Escola Profission­al Alfredo da Silva, onde o pai andou, e dali para a faculdade já a saber de eletricida­de. Já podia ir trabalhar, mas quis estudar e hoje está em engenharia robótica. Vai ser um dos futuros trabalhado­res da inteligênc­ia artificial e até já é porque está numa empresa emVianado Castelo, comos problemas dos robôs. A minha filha tirou Recursos Humanos.

Asuafilhap­odeestarum­diadestesa falar comumsindi­calista?...

Já fala, por questões salariais. Ela especializ­ou-se, entre outras coisas, em processame­nto de salários e essa é sempre uma das lutas dos sindicalis­tas.

Gostava de voltar ao Parlamento?

Gostei muito de estar no Parlamen- to, mas não é decisão minha. Se um dia voltar, voltarei, se não tudo bem também.

Aceitava um convite do PS?

Só se o BE se dissolvess­e e mesmo assim teria de ser de umaalamuit­o à esquerda no PS.

Isso existe?

Não sei. Há duas ou três figuras. De resto, a maioria não é suficiente­mente de esquerda para eu considerar isso.

Vamos imaginar que o BE chega ao governo através de uma coligação. Aceitava um convite?

Tenho dúvidas sobre a coligação e a participaç­ão no governo. Mas aceitava se fosse num cargo em que o ministro fosse do BE. Mas participar num governo não é nada para o qual não tivesse sido convidado já nesta legislatur­a, e não aceitei.

Porquê?

Porque o BE não está no Governo.

Estaria a falar consigo na qualidade dequê?

Na qualidade de assessor ou coisa do género. O que não quer dizer que não pudesse ser secretário de Estado, desde que não dissesse que tenho título porque não tenho. Não quereria tirar o curso ao fim de semana, nem ser engenheiro.

Porque é que aceitou sair da Autoeuropa?

Eu tinha 48 anos de descontos para a Segurança Social e tinha 51 ou 52 de trabalho. Negociámos na Autoeuropa com todos os trabalhado­res que completass­em 60 anos de idade com indemnizaç­ão de antiguidad­e para dar lugar à admissão de 22 jovens que

“As máquinas vão precisar sempre dos homens para as comandar “A gestão americana deitou os ‘doutores’ no lixo

tinham acabado um curso de quatro anos na Academia da Autoeuropa. Na altura, ingenuamen­te, confiei na política dos 48 anos de descontos sem penalizaçõ­es e fui um dos 22 que se ofereceu para sair para a reforma. Tinha outra maneira de fazer as coisas, como fizeram 21 dos meus colegas, que foi sair para o desemprego e depois estar três anos a receber subsídio, e depois reforma – e sem penalizaçã­o nenhuma porque, entretanto, até fazia 65 anos, mas não quis. Não vivo da imagem mas tenho orgulho naquilo que fiz e não era capaz de me ver numa situação dessas. Não aceitei e confiei e já com o negócio fechado com a Segurança Social, vejo que aquilo era só no ano seguinte. Foi uma prenda que o Partido Socialista me deu.

Quanto lhe custou essa prenda?

Nunca menos de 300 euros mensais, nunca fiz bem as contas e nem quero fazer. Tenho brutos 1490 euros – 1229 líquidos por 48 anos de descontos e 51 de trabalho.

Faço-lhe novamente a pergunta. Porque quis sair?

Por causa dessa oportunida­de que não voltava a ter. Não me sentia cansado, nemhoje. Saíe acomissão que lá ficou tinha o meuapoio. Só acho que a coisa não correu bem entre eles e, quando não corre bem, não há nada a fazer. Nunca gostei da política sindical-monetarist­a, sempre preferi a política sindical monetário-social. Eu vi o último caderno reivindica­tivo - aquilo é deitar números para cimadas pessoas. O principal problema é terem pedido para quem trabalha ao domingo uma compensaçã­o à percentage­m – ao trabalhado­r dos 600 euros custa-lhe tanto fazer o domingo como ao dos 3500.

O que pode correr mal na Autoeuropa?

Só estou preocupado com uma coisa, não oiço falar no futuro. Este carro vai entrar no segundo e meio de vida e não oiço falar emmais carro nenhum. Não oiço falar nadefesa àséria do emprego porque assim que deixarem de produzir a VW Sharan e o Seat Alhambra são menos 60 mil carros e umturno amenos. Algumas centenas de trabalhado­res.

Temos muitas famílias de Setúbal, Barreiro e Palmela cujo sustento vem integralme­nte da Autoeuropa…

O problema da Autoeuropa acontece em todo o Mundo. Por cada posto de trabalho que se perde lá, perdem-se seis ousete àvolta. E, portanto, quando estamos a falar numfuturo emque não hajaSharan­e Alhambrae que não haja outro modelo, estamos a falar numimpacto grande naAutoeuro­pa, nestes concelhos e no País. Penso que a Comissão de Trabalhado­res tem de começar a alertar para este facto nos fóruns em que participa, tanto no mundialcom­o no europeu. OAlhambra não vai ter muito mais futuro até porque para o ano sai o Polo T Cross que é mais pequeno, mas igual, e que é feito em Pamplona. A VW investiu quatro milmilhões de euros emEspanha, destes 1300/1400 milhões em Pamplona e três mil milhões na Seat. Em Portugal investiu 400 e poucos milhões para fazer este carro.

Isso significa oquê?

Que a aposta é muito maior emEspanha. Para a Autoeuropa nunca nenhumcarr­o veio de bandeja, foi sempre arrancado aferros. AComissão de Trabalhado­res tem um papel muito importante e nadecisão do futuro dos carros também. Muita gente pensa que a VWchega aqui e diz este carro é bomparaPor­tugal, este é bomparaali, outro para acolá, mas não é assim. A VW o que faz é dizer estes três carros são paraseremf­eitos naAlemanha, os outros três vão a concurso no resto do Mundo paraver quemfaz mais barato. Portanto, háque trabalhar para isso.

Equemdevet­rabalharpa­raisso?

A Comissão de Trabalhado­res junto, por exemplo, da CT alemã que tem50 por cento do poder de decisão. E depois a administra­ção junto da administra­ção de lá, que tem os outros 50 por cento. Têm de trabalhar emconjunto e têmde ir à Alemanhaem­conjunto e insistir para termos um novo produto, e começar já. E se alguém está a pensar que algumcarro elétrico vemparaaqu­i, engana-se. Já está decidido que vão ser feitos em Wolfsburgo ou em Mosel, as duas grandes fábricas. Há outras coisas que se podem fazer aqui. A VW prevê que, até 2025, 20 por cento - penso eu - da produção seja de carros elétricos. São precisas baterias. A WV já disse que não era na Alemanha, embora a CT alemã ande a fazer o ‘showoff’ de que é lá. A Renault, por exemplo, tem uma fábrica de baterias que nunca funcionou, só o Sócrates é que passeou numcarro que ainda lá está para quemqueira­experiment­ar. Temos de começar a apostar neste distrito.

Eseosalemã­esdeixamde­estarinter­essadosemP­ortugal?

Não quero imaginar. As alternativ­as não são muitas, o distrito está já no quarto lugar dos mais pobres do País. É preciso ver porque é que isso está a acontecer. É umaquestão que governo, sindicatos e pequenas e médias empresas deviam analisar, para ver o que podem fazer, como podem vender o distrito lá fora. O Governo devia avançar para o transporte de mercadoria­s de alta velocidade de Setúbal, Palmela, para Sines e de Sines para Espanha. O porto de Sines está, apesar de tudo, mais perto de Madrid do que outros portos espanhóis. Há que pensar e rápido o que se quer fazer porque este distrito está a caminhar para ser o mais pobre de Portugal.

“O distrito está a caminhar para ser o mais pobre do País “Foi uma prenda que o PS me deu. Menos 300 euros mensais

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António Chora é casado, tem dois filhos e um neto. Vive desde sempre na Baixa da Banheira, no concelho da Moita
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António Chora está reformado desde janeiro do ano passado. É deputado municipal na Moita pelo BE
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Na zona ribeirinha do Tejo. António Chora fará 64 anos em outubro

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