Os infiltrados
Amoça detida há duas semanas suspeita de matar a mãe tinha uma bonita página no seu Facebook: cãezinhos e coraçõezinhos por todo o lado. Quer isto dizer que todas as pessoas com fotos de cãezinhos ou de gatinhos são potenciais matricidas? Espero que não. Isto quer dizer outra coisa: que gostarmos de cãezinhos ou gatinhos não faz de nós boas pessoas.
A mim causa-me particular confusão quem, tendo um amor legítimo aos animais, se abandona a orgias de euforia perante imagens de toureiros estropiados. Alguns até põem coraçõezinhos e risinhos, sem repararem que estão a fazer aquilo de que acusam os outros: desumanização e crueldade.
Anda pelo mundo uma febre estranha: um pouco de todo o lado vamos tendo notícias sinistras de gente que, armada em boazinha, se revela capaz das maiores patifarias. Ou de soberana indiferença pelo sofrimento dos outros, desde que estes sejam ‘o inimigo’ e a nossa causa seja ‘justa’. Não esquecer: muitos terroristas também acham a sua causa justa. E desumanizar o adversário é o primeiro passo para não nos ser difícil reduzi-lo a incómoda mosca. Alguém já disse que foi um teste (a ver como as boas gentes reagiam) o separar crianças de pais na fronteira dos EUA. E o resultado, deprimente, não desapontou: boa parte da população encolheu os ombros, até sorriu. É assim que começam aquelas fases da História de que nunca queremos falar, dá azar.
As posições andam tão extremadas que o valor da vida humana está em queda livre. Como se diz em economiquês, em vias de ‘valer lixo’. E uma agência, especialista em lixo, a Fitch, disse que seria ‘bom para o Brasil’ eleger um homem que proclama a lei da bala. Parece que o medo é bom para a economia. Verdade que, se matarmos os bandidos todos e aos que sobrarem prendermos e os deixarmos tratar da saúde uns aos outros, ainda poupamos mais, pelo menos em enfermeiros. Daqui à “peste grisalha” vai um tirinho. Há por enquanto ainda um empecilho chamado ‘Carta dos Direitos Humanos’, que preconiza um princípio essencial: até as pessoas de quem não gostamos têm direito à vida, e a um tratamento decente. Sim, até um pedófilo. Sim, até quem mata com uma frieza que nem mil fotos de cãezinhos ou gatinhos redimem. Só digo isto: cuidado com os infiltrados.
VAMOS TENDO NOTÍCIAS
SINISTRAS DE GENTE
QUE, ARMADA EM BOAZINHA, SE REVELA CAPAZ DAS MAIORES PATIFARIAS
AS POSIÇÕES ANDAM
TÃO EXTREMADAS
QUE O VALOR DA VIDA HUMANA ESTÁ EM
QUEDA LIVRE