“É DIFÍCIL AVALIAR AQUILO QUE ESCREVO”
O EX-DA WEASEL LANÇA NOVO ÁLBUM EM NOME PRÓPRIO ‘ENTRETENIMENTO?’, UM DISCO PARA REPENSAR UMA INDÚSTRIA VORAZ EM PLENA ERA DO ZAPPING E DO IMEDIATISMO
Esta coisa de um disco chamado ‘Entretenimento?’ é uma rendição, uma resignação, uma crítica... É o quê?
É uma questão que me coloco a mim mesmo todos os dias enquanto peão deste jogo. Aquilo que eu faço, que é música, faz parte do entretenimento e o que eu me pergunto muitas vezes é quais são as regras deste jogo.
E já encontrou resposta para esse pergunta?
Não, ainda não, até porque este mundo do entretenimento está em constante mutação.
Mas o entretenimento é uma coisa má?
Algumas pessoas e se calhar eu também, às vezes olham para ele como uma coisa menor, mas não é! Na verdade ele faz parte das nossas vidas e não meu caso é inerente ao trabalho da música.
O problema é quando tudo é visto como entretenimento, é isso?
Sim. Se eu tenho uma música de amor aparentemente inócua e tenho outra a falar de depressão, ambas devem ser vistas como entretenimento? E eu acho que estas dúvidas estão sempre presentes quando se faz um disco. Mas fazendo parte desta indústria do entretenimento, como é que se encontra o equilíbrio entre o ter que fazer parte dele e o não ser devorado por ele? É preciso um jogo de rins muito grande (risos). E pode vira ruma obsessão para o artista? Pode. Eu acho que há músicos que têm tanto medo disso que acabam por se castrar e o público acaba por nunca os conhecer. Alguns músicos acabam por ficar pelo caminho porque não aguentam a pressão do entretenimento.
Mas também há quem se renda a ele, ou não?
Sim, há quem entre nele a trezentos por cento. Eu acho que entro na dose certa que serve para mostrar o meu trabalho. Claro que eu também gosto de me divertir, mas há coisas que não são a minha praia.
Mas para quem já anda nisto há tantos anos, a indústria do entretenimento ainda tem o mesmo encanto, sobretudo se tivermos em consideração que hoje é tudo tão imediato?
Não sei. Hoje, por exemplo, já não existe o ritual de comprar um disco, que era quase um motivo de festa na minha adolescência. A malta comprava um vinil, íamos para casa de um e passávamos a tarde numa
Claro que eu gosto de me divertir, mas há coisas que não são a minha praia
Comprar um vinil na minha adolescência era motivo de festa
Não posso descartar o meu passado nem esquecer que vivo o tempo de agora
O meu irmão é a razão de eu fazer música. Foi ele que me arrastou para isto
sala a descobri-lo e a comentá-lo. Hoje estamos perante a lógica dos singles. É tudo muito descartável, ouves uma música e já estás à espera de ouvir a próxima. Claro que isso é ingrato e já me levou a perguntar se vale mesmo a pena gravar discos.
E vale?
Curiosamente eu estou a ter resposta a isso agora. As pessoas têm-me falado do disco inteiro com um feedback brutal. Mas este disco é lançado depois de quatro singles. Há aqui um conformismo da sua parte! Na verdade eu lancei quatro singles porque não consegui ter o disco pronto antes. Mas sim, tenho perfeita noção que os miúdos não vão ouvir o álbum todo. Só que eu também já não sou um miúdo e há letras minhas que já não são para eles. Resumindo, o que eu tento fazer é não descartar o meu passado, porque é impossível fugir a ele, mas também não esquecer que tenho que viver o tempo de agora. Hoje consigo ter uma música no meu telemóvel em cinco minutos. Quando era puto tinha que encomendar um disco que levava muito tempo a chegar. Se comparar com os primórdios dos da Weasel ganharam-se ou perderam-se mais coisas nesta indústria do entretenimento? Não sei. Se calhar se fizermos as contas vai dar ela por ela. Hoje, por exemplo, não se está tão dependente de estúdios e editoras para fazer vida da música. Se calhar há quinze anos, um Piruka ou um Conan Osiris teriam muito mais dificuldades em fazerem a vida que estão a fazer porque não faziam parte do sistema. Hoje é possível seguir uma via mais margi
nal e chegar a muitas pessoas. A capa deste disco faz lembrar o ‘Achtung Baby’ dos U2 que ne s te momento talvez sejam os reis do entretenimento ao vivo. Foi uma paródia pensada?
Não (risos). Eu queria muito que este disco passasse a ideia de que está muita coisa a acontecer ao mesmo tempo, que vivemos na era do zapping. Este disco conta com várias colaborações entre elas António Zambujo e Manel Cruz. Como é que eles aparecem aqui?
O Manel Cruz é um velho amigo que eu sempre admirei. É uma pessoa muito criativa e singular e a nossa amizade vem da altura dos Da Weasel. Foi engraçado encontrá-lo quase uma década depois numa altura em que ambos já passámos pela experiência da paternidade (risos). Hoje eu e ele estamos bastante mais resolvi- dos em relação a uma série de coisas. O que saiu deste reencontro foi um dos temas mais especiais deste disco, no sentido em que é difícil de rotular, é uma pop esquizofrénica, misturada com rap, não sei (risos).
E o António Zambujo?
É uma amizade mais recente. Conheci-o num concerto, fomos beber um vinho, ficámos a conversar e descobrimos que tínhamos muito em comum. Daí nasceu logo a vontade de fazermos algo juntos.
A sua escrita está cada vez mais incisiva, assertiva e objetiva. Isso ganha-se com a idade?
Talvez (risos). Mas é muito difícil avaliar aquilo que escrevo.
Mas se olhar para os primórdios dos Da Weasel, por exemplo, a diferença é abismal!
Sim, tanto é que eu já nem consigo ouvir esses temas. Quanto mais antigos são menos os ouço. Estão arrumados não só por causas da escrita mas também pela voz. Acho que podia ter feito muito melhor (risos).
O tema ‘Demasia’ é escrito com o seu irmão João, que também fazia parte dos Da Weasel. Quando voltam a fazer música juntos, sente que está a matar saudades dos velhos tempos?
Eu tenho muitas saudades de fazer música com ele, porque é algo que me dá muito prazer. O meu irmão é a razão de eu fazer música. Foi ele que me arrastou para isto e eu andei sempre um bocado a reboque dele. E depois é uma pessoas muito talentosa. Eu não conheço uma malha má do meu irmão.