Marcelo, o afetuoso
Diz-se, com razão, que os cargos fazem as pessoas. No que me respeita, estou certo de que os quase vinte anos de serviço público na área da Administração Interna me tornaram mais sensível aos problemas de segurança. Inversamente, as pessoas também fazem os cargos: eu teria sido decerto outro ministro se fosse militante partidário ou não tivesse formação jurídico-penal.
Esta osmose vale, certamente, para chefes de Estado. Os cognomes dos reis ilustram tal ideia. E no caso dos nossos presidentes, desprovidos de funções executivas e sujeitos a uma pauta tão solta como as de jazz, não nos custaria cognominar Ramalho Eanes como “o íntegro”, Mário Soares como “o humanista”, Jorge Sampaio como “o emotivo” e Cavaco Silva como “o economista”.
Quando está em causa uma sucessão dinástica, as variações não são favorecidas pelo ADN nem pelo regime. Os “kim” coreanos apresentam, provavelmente, mais seme- lhanças do que diferenças. Em República e Democracia, o eleitorado procura, com frequência, no pretendente ao cargo, a antítese do antecessor. Esta dialética é patente na substituição de Cavaco por Marcelo.
Que cognome conquistou já Marcelo Rebelo de Sousa? O afetuoso, claro está. Depois da terrível era de austeridade, que encontrou em funções um Presidente ainda mais austero, o povo português precisava de um ombro para se confortar e Marcelo depressa o compreendeu. Todavia, terá de compreender também que o seu ombro tem limites, sob pena de acabar desacreditado.
O Presidente não pode prometer a reconstrução de casas às vítimas de incêndios; nem telefonar para programas de televisão em “guerra” de audiências; nem receber candidatos à liderança no contexto de disputas partidárias. Se me coubesse classificar o Presidente, como ele fazia enquanto comentador, dar-lhe-ia nota distinta. Mas não deixaria de fazer estes reparos.
O PRESIDENTE
TERÁ DE
COMPREENDER
QUE O SEU OMBRO
TEM LIMITES