O CANTO ÚNICO
Faz de uma maneira. Da mesma maneira. E e u n ã o me i mporto. Si mpl es e co m p ro - fundidade, um modo que me afoga de satisfação. Ele, em baixo. Eu, em cima. Pode parecer posição do século passado. Que pareça. Quem assim pensa desconhece o que é verdadeiramente bom. E bom, bom é também ter variantes sem nunca sairmos da linha inicial. Eu mantenho-me em cima do acontecimento e ele não sai de baixo da minha pessoa. Os espelhos colocados à frente e atrás da cama aumentam a dimensão do momento. É verdade. Dá ideia de que somos quatro os participantes da festa. Mas mais do que esses enormes vidros emoldurados em dourado a reproduzirem paraísos são os movimentos que somente vêm de mim. Andamentos discretos, impulsos com determinação. Para que conste: não é preciso grande balanço. O corpo obedece à lei. O centro deste prazer é muitíssimo bem constituído. Basta estar sentada nele para
que a própria lei da natureza se responsabilize pelo resto. De pés juntos e com as pernas um pouco abertas, consegue levar-me ao tecto com facilidade. Quando se chega ao céu sexual é difícil de lá ir embora. As duas mãos, que são um maravilhoso instrumento, ajudam à descida. Os dedos, atentos e trabalhadores, acertam no local inesperado e proporcionam um falso descanso. Ao polegar e anelar só lhes falta falar. Têm tudo o que a uma mulher interessa. Depois do concerto manual, e ainda ele em baixo, e e u e m cima, dá-se o re gre s s o d a s notas de musica. Nenhuma vem desafinada. E tudo regressa e em Mi maior. Que bela cantata mensal. Faríamos com mais frequência, diz-me o prazer ao ouvido esquerdo na hora da despedida. Pois. Mas é (muito) melhor ficarmos tal e qual como temos estado. Conheço-me. Conheço o que a mim me entusiasma o corpo inteiro. Era, sou, mulher para amarrotar a agenda para apenas receber o homem que me faz subir pelas paredes em morte boa.
OS ESPELHOS COLOCADOS À FRENTE E ATRÁS DA CAMA AUMENTAM A DIMENSÃO DO MOMENTO. DÁ IDEIA DE QUE SOMOS QUATRO