Eça de Queirós não merecia isto
Há três versões sobre o trabalho do cônsul Eça de Queirós em Havana: herói pela emancipação dos coolies chineses, tratados como escravos nas plantações; conformou-se à política do Estado, potência colonial, do governo e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrade Corvo, pelo fim do tráfico dos coolies, vindos de Macau e considerados súbditos portugueses; e uma versão mais realista, juntando essas: exercia a crítica e defendia princípios de humanidade ao mesmo tempo que representava a política externa portuguesa. A sua correspondência oficial é brilhante na análise da sociedade cubana, da escravatura e da guerrilha.
Eça esteve apenas dez meses em Havana, entre 1872 e 1874. Pelo meio, tirou cinco meses e meio de licença para viajar pelos EUA e Canadá — e namorar. Foi em Havana que decidiu que não haveria de sacrificar a vontade se tornar um escritor às maçadas burocráticas de funcionário do Estado — e benditos os contribuintes de então, que pagaram a obra suprema que desenvolveu depois como cônsul em Inglaterra e França — e logo em Cuba, onde escreveu ‘Singularidades de uma Rapariga Loira’ (1874), o conto em que “nasce” o Eça da ficção magistral.
Agora, para sua e nossa desgraça, Eça é protagonista desinteressante na série ‘O Nosso Cônsul em Havana’ (RTP1). O título da série já foi o de um estudo de Joaquim Palminha Silva (1981) e remete para ‘O Nosso Homem em Havana’, romance de Graham Greene (1958) logo passado ao cinema por Carol Reed (1959).
Os dois primeiros episódios da série realizada por Joaquim Manso são de uma pobreza confrangedora. Parece uma telenovela, mas em pior: menos qualidade técnica, diálogos desinteressantes, sem drama (giraram em torno do malão de roupa de Eça perdido à chegada a Havana), com comédia fraquíssima, personagens sem alma, incluindo na montagem paralela das atribulações duma rapariga chinesa, que, se Deus quiser, há-de cruzar-se com Eça lá mais para a frente. Julguei que a série era dos anos 80, mas não, é de agora. Uma tristeza.
OS DOIS PRIMEIROS EPISÓDIOS DA SÉRIE SÃO DE UMA POBREZA CONFRANGEDORA