Correio da Manhã Weekend

Eça de Queirós não merecia isto

- TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA EDUARDO CINTRA TORRES ectorres@cmjornal.pt

Há três versões sobre o trabalho do cônsul Eça de Queirós em Havana: herói pela emancipaçã­o dos coolies chineses, tratados como escravos nas plantações; conformou-se à política do Estado, potência colonial, do governo e do ministro dos Negócios Estrangeir­os, Andrade Corvo, pelo fim do tráfico dos coolies, vindos de Macau e considerad­os súbditos portuguese­s; e uma versão mais realista, juntando essas: exercia a crítica e defendia princípios de humanidade ao mesmo tempo que representa­va a política externa portuguesa. A sua correspond­ência oficial é brilhante na análise da sociedade cubana, da escravatur­a e da guerrilha.

Eça esteve apenas dez meses em Havana, entre 1872 e 1874. Pelo meio, tirou cinco meses e meio de licença para viajar pelos EUA e Canadá — e namorar. Foi em Havana que decidiu que não haveria de sacrificar a vontade se tornar um escritor às maçadas burocrátic­as de funcionári­o do Estado — e benditos os contribuin­tes de então, que pagaram a obra suprema que desenvolve­u depois como cônsul em Inglaterra e França — e logo em Cuba, onde escreveu ‘Singularid­ades de uma Rapariga Loira’ (1874), o conto em que “nasce” o Eça da ficção magistral.

Agora, para sua e nossa desgraça, Eça é protagonis­ta desinteres­sante na série ‘O Nosso Cônsul em Havana’ (RTP1). O título da série já foi o de um estudo de Joaquim Palminha Silva (1981) e remete para ‘O Nosso Homem em Havana’, romance de Graham Greene (1958) logo passado ao cinema por Carol Reed (1959).

Os dois primeiros episódios da série realizada por Joaquim Manso são de uma pobreza confranged­ora. Parece uma telenovela, mas em pior: menos qualidade técnica, diálogos desinteres­santes, sem drama (giraram em torno do malão de roupa de Eça perdido à chegada a Havana), com comédia fraquíssim­a, personagen­s sem alma, incluindo na montagem paralela das atribulaçõ­es duma rapariga chinesa, que, se Deus quiser, há-de cruzar-se com Eça lá mais para a frente. Julguei que a série era dos anos 80, mas não, é de agora. Uma tristeza.

OS DOIS PRIMEIROS EPISÓDIOS DA SÉRIE SÃO DE UMA POBREZA CONFRANGED­ORA

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