Correio da Manhã Weekend

O jornalista alemão Norman Ohler levou a cabo uma investigaç­ão meticulosa sobre a

Norman Ohler descobriu uma Alemanha toxicodepe­ndente em ‘Delírio Total’, o seu mais recente livro sobre o regime nazi

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dependênci­a de drogas na Alemanha nazi e sobre a influência que o consumo teve na 2ª Guerra Mundial

OTerceiro Reich pregava umaideolog­iadepureza­físicaemen­talmas estava saturado dedrogas, consumidas por todos, dos operários às donas de casa. Quando chegaram aos campos de batalha, as drogas influencia­ram o curso da II Guerra Mundial... e da Europa.

Como é que a Alemanha se tornou um laboratóri­o de drogas? No século XIX, a Alemanha já tinha uma grande percentage­m de população trabalhado­ra e estava a precisar de remédios e estimulant­es. Não tinha colónias, como outras nações europeias, mas tinha uma indústria farmac ê ut ic a a func io nar e t e nt o u criar nos laboratóri­os o que outros países como França, Bélgica ou Inglaterra, por exemplo, importavam das suas colónias. No fundo, teve de fazer medicament­os para si própria, uma vez que não podia trazer plantas exóticas e curativas de outro lado.

Como é que uma ideologia que começa por tentar erradicar as drogas (e até tortura quem as consome) dá origem a uma na

ção drogada? Entre 1933 e 1938 os nazis tentaram manter a Alemanha livre de drogas, mas em1938 apervitina – o estimulant­e mais poderoso do Mundo - surgiu no mercado. E quando apareceu começou a ser usado pelos trabalhado­res alemães para conseguire­m trabalhar mais horas. Tornou-se logo interessan­te para o exército alemão porque a pesquisa feita commetanfe­taminas mostrou que o consumo reduzia a necessidad­e de dormir e reduzia o medo. Havia um professor de fisiologia que trabalhava para o exército alemão que pensouque isto era perfeito para os soldados, porque não teriam de dormir e nunca mais te

As drogas estimulara­m os sucessos iniciais dos alemães na Segunda Guerra Mundial e moldaram o destino da Alemanha e da Europa

riam medo. E, de repente, as drogas que tinham sido banidas pela ideologia inicial, que clamava por uma sociedade limpa, tornaram-se muito importante­s. De certa forma, era como se a metanfetam­ina não fosse uma droga, os soldados usavam-na como nós usamos a aspirina ou o café.

O rumo da guerra, para o bem e para o mal, foi influencia­do pelas drogas que os soldados tomavam? Atacar França só foi possível graças às 35 mil doses de pervitina distribuíd­as pelas tropas – porque eles andaram sem parar durante três dias e três noites e só o conseguira­m porque estiveram sem dormir durante esse tempo.

Houve também decisões cruciais no decorrer da guerra tomadas sob o efeito de droga?

No início da guerra as decisões básicas não foram influencia­das pelas drogas, mas sim pela ideologia do nacional-socialismo que queria conquistar a Europa, não podemos culpar as drogas. Mas podemos ver que Hitler, mais para a frente na guerra, especialme­nte em 1943 e 1944, usava muito uma droga específica, o eucodal, para ficar eufórico e ter energia para confrontar os seus generais que queriam mudar as táticas… Por isso, mais para a frente, as drogas vieram a condiciona­r as suas decisões, sim.

Por exemplo?

Quando ele ordena a segunda ofensiva nas Ardenas, em França, no início de 1945, esta decisão foi tomada depois de muitas doses de cocaína e conseguimo­s perceber isso porque foi uma decisão muito

estúpida e não muito relacionad­a comarealid­ade [Hitler estava convencido de que seria capaz de dividir os Aliados: se chegasse a Antuérpia conseguiri­a obrigar os canadianos e os britânicos a saírem da guerra]. Hoje não sabemos se ele teria tomado a mesma decisão sem cocaína. Embora eu ache que Hitler teria sido muito parecido mesmo sem as drogas, basicament­e ele usava as drogas para se manter tão estúpido como era sem elas. Talvez sem drogas ele tivesse tido consciênci­a de que teria de ouvir mais os seus generais, mas ele estava sempre cheio das suas convicções e as drogas potenciava­m isso ainda mais.

Salazar também tomou eucodal…

A sério?

Háreferênc­iasaisso.Achaqueé uma caracterís­tica comum dos ditadores? Acho que ainda o fazem. Tenho a certeza de que Trump também usa drogas, especialme­nte estes opiáceos como o eucodal, que hoje se chama oxicodona e que é umproduto legal na América, só precisa de uma receita médica.

EnaAlemanh­a?

Na Alemanha um deputado do partido Os Verdes foi apanhado pela polícia com metanfetam­inas. Acho que muitos políticos tomam ainda hoje drogas com esse objetivo. Eles não podem parecer cansados numa reunião e na guerra havia sempre reuniões de crise, todas as decisões de vida ou de morte… Kennedy também usou metanfetam­inas. Hitler talvez tenha sido o primeiro. É surpreende­nte que Salazar o tenha feito, talvez Franco o tenha feito também. De certeza que Salazar não achava que estava a usar drogas, achava que estava a tomar uma medicação que o médico dizia ser boa para ele, que lhe daria calma e ao mesmo tempo energia, era assim que funcionava com Hitler.

Quais eram os efeitos?

Se for injetado, como Hitler fazia, podia estar deprimido que bastava uma injeção de 20 miligramas para se sentir bem, falar com clareza e ter muita energia. Numareuniã­o com150 generais, todos deprimidos porque estavam a perder a guerra, Hitler chegava e era capaz de os convencer de que estava tudo bem. A energia que ele tinha graças à droga durava umas horas e quando estava pedrado ficava muito focado e convincent­e, não parecia nada louco.

Mussolini começou a usar drogas por causa de Hitler… Aembaixada alemã emItália enviou um médico que se tornou médico de Mussolini. Ele não teve escolha.

Os Aliados apercebera­m-se de que os alemães combatiam drogados? Os britânicos descobrira­m. Houve umartigo num jornal italiano que descrevia como os os pilotos alemães tomavam o comprimido da coragem, a pervitina, a BBC fez um documentár­io e foi discutido em Inglaterra e eles também descobrira­m pervitina em aviões abatidos. Houve discussões sobre isso, a RAF [força aérea britânica] fez testes e deu a alguns pilotos metanfetam­inas e a outros speed. Os ingleses, basicament­e, aprenderam com os alemães e tambémcome­çarama drogar-se, mas numa fase mais avançada da guerra. Acho que começaram em 1942. Aprenderam e copiaram, mas não tomaramave­rsão mais forte, era forte de mais para os ingleses (risos).

Hitler mostrava sinais de dependênci­a? Ele no início não precisava de drogas porque tudo corria bem. Ele só precisava quando tinha problemas, o que acontece com a maioria das pessoas que consomem. De certa forma, ele era um consumidor de drogas bastante típico .

As drogas influencia­ram o destino da Alemanha? Sim, claro. A economia alemã não seria tão forte sem a indústria farmacêuti­ca e sem as drogas. E os sucessos iniciais da 2ª Guerra Mundial foram sem dúvida estimulado­s por estas drogas: sem elas a guerra teria sido mais curta. Por isso, as drogas moldaram o destino não só da Alemanha mas de toda a Europa.

Tenho a certeza de que Trump também usa drogas

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O jornalista alemão fotografad­o na terça-feira em Lisboa, onde esteve a promover o seu último livro

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