Correio da Manhã Weekend

O DIA DAS RAÇAS...

- VICTOR BANDARRA JORNALISTA ANTIGA ORTOGRAFIA

É um velho muito velho, feiticeiro na terra dos feiticeiro­s, Mambone, província de Inhambane, Moçambique. Num português atabalhoad­o, de mistura com frases em língua ndau, mostra com orgulho uma

medalha carcomida pelos anos. “Deram no Dia da Raça!” E quem deu? “Mandou o Presidente Carmona!” Estamos nos anos 90 do século passado. Carmona havia morrido décadas antes. Moçambique era independen­te desde 1975. O velho feiticeiro, porém, mantinha os usos e costumes da sua Pátria, a região da Velha Mambone, onde convergira­m as caravanas com os produtos da terra - marfim, pontas de rinoceront­e, madeiras ricas - ainda o Estado português não havia tomado conta da administra­ção. Finais dos anos 40, alguém se lembrou de entregar ao feiticeiro uma medalha do Dia da Raça e de Camões, era Carmona Presidente e Salazar o homem-forte do Estado. O velho tinha noção clara da sua Pátria de Mambone, mas entendeu que o seu País fosse um tal Portugal, cujo rei era... Carmona.

O Estado Novo assumiu posições eugenistas e racistas. Mas a noção de Raça, com direito a Dia, foi incutida sobretudo como uma “originalid­ade” dos portuguese­s, que se haviam miscigenad­o com povos de vários continente­s. Tudo para justificar um País com um “inalienáve­l e inquestion­ável” Império Colonial, como explica a estudiosa Conceição Meireles. Há quem baralhe os conceitos de Pátria, Nação, País e Estado. A noção de Nação confunde-se sobretudo com a de País - um território organizado com História própria. A Nação vai mais longe: sublinha os valo re s c ulturais c omuns à população. Já a Pátria é uma identidade abstracta mas profunda, uma realidade afectiva a que grupos e cidadãos estão ligados. Quanto ao Estado, é basicament­e a entidade responsáve­l pela organizaçã­o do território e da vida das pessoas.

No pós-25 de Abril, o Dia da Raça foi substituíd­o pelo Dia de Portugal, de Camões e das Comunidade­s. Este ano, os infatigáve­is Marcelo e Costa dividiram-se por Portalegre e Mindelo, em Cabo Verde. Não se falou de raças, falou-se de Lusofonia, enfim, de políticas. E (ainda) não é fácil aceitar o pedido do Presidente cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca: estadias de até 30 dias em Portugal sem necessidad­e de visto. Almeida Santos, negociador da descoloniz­ação, contava que Aristides Pereira, o primeiro Presidente de Cabo Verde, teria visto com bons olhos uma espécie de confederaç­ão com Portugal, ao jeito de Puerto Rico com os Estados Unidos. E porque isto de País e de Pátria tem muito que se lhe diga, um velho estivador do Mindelo morreu há meses com forte convicção na alma: “A minha Pátria é Cabo Verde, o meu País é Portugal!”

Isto de País e de Pátria tem muito que se lhe diga...

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal