Os assédios
É UMA ILUSÃO CRER
QUE A LEGISLAÇÃO É SUFICIENTE PARA NORMALIZAR OS COMPORTAMENTOS
Tem sido notícia o caso do funcionário dos caminhos de ferro (CP) que intimidou uma passageira devido a um decote mais generoso. O episódio deu brado porque a moça, indignada, filmou o conflito. As televisões chamaram-lhe um figo e o povos das redes sociais insurgiram-se.
A favor da miúda e dos seus direitos de cidadania foram muitos. Mas também foram muitos (e muitas) que aproveitaram o momento para destilar ódio contra a sua louvável iniciativa de denunciar o assédio labrego do funcionário da CP.
Acusam-na de procurar protagonismo, de querer visibilidade à custa de um pobre coitado. Este tipo de reação só perturba os desatentos e aqueles que olham o País através das lunetas da sua bolha idealizada do direitos humanos.
A realidade persiste em ser mais poderosa do que os mitos urbanos que dominam a opinião pública. Herdeiros de uma moral tridentina, habitados por um conservadorismo religioso no que respeita ao dever ser, a sociedade fortemente patriarcal que construímos ao longo dos séculos reproduz a condição feminina como algo que foi concebido para servir, obedecer em silêncio, submetida por dever ao poder do macho.
É um processo de longa duração. Que obriga um esforço de educação que ultrapassa as meras coscuvilhices e determinismos ideológicos que sacodem a Cidadania. Um tempo que não se compatibiliza com a efemeridade que hoje transforma os quotidianos em meros fogachos e modas passageiras. Um investimento que os sucessivos governos nunca conseguiram fazer. Não bastam leis. Não bastam grandes retóricas sobre os Direitos das Mulheres. É um desafio épico para o desenvolvimento e não consta no Plano de Recuperação histrionicamente anunciado. Ainda faltam décadas de caminho para a compreensão dos direitos, liberdades e garantias para todos. É e será o nosso fado mais difícil de suportar.