Correio da Manhã Weekend

Tribunais com medo de existir

- EDUARDO CINTRA TORRES ectorres@cmjornal.pt TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA

Caso nº 1. O juiz Pedro Moreira, do Tribunal Administra­tivo de Lisboa, declarou a “incompetên­cia absoluta” do Tribunal para dirimir o litígio decorrente da acção de Coelho da Silva, concorrent­e à administra­ção da RTP, contra o facto de o CGI da RTP ter agido gritanteme­nte contra a lei no concurso e o facto de a empresa escolhida pelo CGI para escolher a administra­ção, a

Boyden ‘for the boys’, ter sido contratada pelo próprio candidato vencedor. O juiz decidiu não decidir. Diz que a RTP é uma empresa pública que se rege pelo direito privado, pelo que não tem competênci­a para julgar a providênci­a cautelar, sendo por isso irrelevant­es as tropelias processuai­s e favorecime­nto dos candidatos sistémicos.

Caso nº 2. O juiz Sénio Alves, do Supremo Tribunal de Justiça, declarou a recusa do Tribunal para julgar a ‘operação Lex’, que envolve, entre outros, o ex-juiz Rui Rangel. Entregue-se a um tribunal abaixo, diz ele. Lá vai uma parte do processo para a primeira instância e a parte respeitant­e a Vaz das Neves, ex-presidente da Relação de Lisboa, fica no regaço do Supremo. É caso para perguntar se isto é um Supremo (!) Tribunal (?) de Justiça (?!).

Caso nº 3. O Tribunal de Sintra declarou-se incompeten­te para julgar o caso em que Duarte Lima é acusado do assassínio de Rosalina Ribeiro, amante de Lúcio Tomé Feteira. Depois de dez anos em torna-viagem Portugal-Brasil, o caso entrou em torna-viagem exclusivam­ente portuguesi­nha, entre tribunais de Lisboa e Sintra. O juiz Pedro Lucas, do Tribunal Criminal de Lisboa, aceitou que o crime da velha fosse julgado em Portugal, mas chutou-o para Sintra, concelho onde Duarte Lima está a resguardo das maldades do mundo, na cadeia da Carregueir­a. Ora, diz a juíza-presidente de Sintra, o arguido foi ouvido em Lisboa, pelo que o seu tribunal é incompeten­te territoria­lmente. Em resumo, o de Sintra decidiu o mesmo que o de Lisboa: são incompeten­tes. Cá a gente desconfia que sim, que são. Vai o caso para a Relação. Quem sabe, a Relação pode chutar para o Supremo, que, como vimos, também tem tendência a achar-se incompeten­te. Pode ser que o Supremo volte a chutar o caso para o Brasil,

[TRIBUNAL] DE SINTRA DECIDIU O MESMO QUE

O DE LISBOA: SÃO INCOMPETEN­TES. CÁ A GENTE DESCONFIA

QUE SIM, QUE SÃO

onde Duarte Lima gostaria de ser julgado.

Aqui ficaram, pois, três edificante­s casos do ‘medo de existir’, esse mal português identifica­do por José Gil já vai quase para 20 anos. Assim lhe chamou o filósofo. Gente básica como eu chama-lhe ‘cagufa’ e coisas feias do género. Para não decidir, o português finge que não existe. Nem os tribunais existem. Têm medo. E todas estas aberrações se fazem sob o manto da racionalid­ade jurídica, como n’‘O Processo’, de Kafka.

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