Tribunais com medo de existir
Caso nº 1. O juiz Pedro Moreira, do Tribunal Administrativo de Lisboa, declarou a “incompetência absoluta” do Tribunal para dirimir o litígio decorrente da acção de Coelho da Silva, concorrente à administração da RTP, contra o facto de o CGI da RTP ter agido gritantemente contra a lei no concurso e o facto de a empresa escolhida pelo CGI para escolher a administração, a
Boyden ‘for the boys’, ter sido contratada pelo próprio candidato vencedor. O juiz decidiu não decidir. Diz que a RTP é uma empresa pública que se rege pelo direito privado, pelo que não tem competência para julgar a providência cautelar, sendo por isso irrelevantes as tropelias processuais e favorecimento dos candidatos sistémicos.
Caso nº 2. O juiz Sénio Alves, do Supremo Tribunal de Justiça, declarou a recusa do Tribunal para julgar a ‘operação Lex’, que envolve, entre outros, o ex-juiz Rui Rangel. Entregue-se a um tribunal abaixo, diz ele. Lá vai uma parte do processo para a primeira instância e a parte respeitante a Vaz das Neves, ex-presidente da Relação de Lisboa, fica no regaço do Supremo. É caso para perguntar se isto é um Supremo (!) Tribunal (?) de Justiça (?!).
Caso nº 3. O Tribunal de Sintra declarou-se incompetente para julgar o caso em que Duarte Lima é acusado do assassínio de Rosalina Ribeiro, amante de Lúcio Tomé Feteira. Depois de dez anos em torna-viagem Portugal-Brasil, o caso entrou em torna-viagem exclusivamente portuguesinha, entre tribunais de Lisboa e Sintra. O juiz Pedro Lucas, do Tribunal Criminal de Lisboa, aceitou que o crime da velha fosse julgado em Portugal, mas chutou-o para Sintra, concelho onde Duarte Lima está a resguardo das maldades do mundo, na cadeia da Carregueira. Ora, diz a juíza-presidente de Sintra, o arguido foi ouvido em Lisboa, pelo que o seu tribunal é incompetente territorialmente. Em resumo, o de Sintra decidiu o mesmo que o de Lisboa: são incompetentes. Cá a gente desconfia que sim, que são. Vai o caso para a Relação. Quem sabe, a Relação pode chutar para o Supremo, que, como vimos, também tem tendência a achar-se incompetente. Pode ser que o Supremo volte a chutar o caso para o Brasil,
[TRIBUNAL] DE SINTRA DECIDIU O MESMO QUE
O DE LISBOA: SÃO INCOMPETENTES. CÁ A GENTE DESCONFIA
QUE SIM, QUE SÃO
onde Duarte Lima gostaria de ser julgado.
Aqui ficaram, pois, três edificantes casos do ‘medo de existir’, esse mal português identificado por José Gil já vai quase para 20 anos. Assim lhe chamou o filósofo. Gente básica como eu chama-lhe ‘cagufa’ e coisas feias do género. Para não decidir, o português finge que não existe. Nem os tribunais existem. Têm medo. E todas estas aberrações se fazem sob o manto da racionalidade jurídica, como n’‘O Processo’, de Kafka.
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