“NAQUELAS CAIXAS DE MADEIRA QUASE DE CERTEZA IAM CORPOS” A
Parti em junho de 1971 para Angola e tive sorte porque, apesar de ter andado no mato, não me aconteceu nada de mal
ssentei praça no RI 10, em Aveiro, em janeiro de 1971. No dia 1 de junho de 1971 embarquei de Lisboa para Angola e cheguei a Luanda no dia 10 de junho. Quando estava no RI 10 vieram convencer-nos para irmos para os Comandos e então fomos para Lamego antes do embarque. Seguimos todas aquelas instruções até que ficámos prontos. Enquanto alguns camaradas optaram por continuar nos Comandos, na 33ª e na 34ª Companhias de Comandos, eu optei por ficar numa companhia angolana que não era de Comandos. Em Angola, o único problema era a guerra e até cheguei a pensar, finda a comissão, ficar a trabalhar por lá, mas acabei por regressar, casei e fiquei por aqui. Mas ficou-me marcada, embora tenha tido momentos bons e momentos maus. Basta dizer que também andei no mato e vi as armas a disparar muitas vezes, mas nunca tive problemas e, graças a Deus, comigo correu tudo bem. Assisti a alguns episódios complicados, estive em Nova Chaves (atual Muconda), no Leste de Angola, a maior parte do tempo, e também no Cassai, onde havia rios com muitos crocodilos. Os dias no mato eram à vez... quando era para mais do que um dia levávamos umas mochilas, fazíamos umas barraquitas improvisadas e era ali que ficávamos à espera que a manhã chegasse. Hoje aqui, amanhã ali...
Seriam corpos nas caixas?
Mas talvez o que mais me tenha marcado tenha sido o tempo que passei em Nova Lisboa (atual Huambo). Víamos que era um local de passagem de muitas companhias para fora e parece-me a mim, embora não possa garantir, que carreguei muitos corpos que vinham para a Metrópole em caixas de madeira. Ninguém me disse, naquela altura não se contava nada à gente nem se podia perguntar, mas eles iam em camiões Berliet para Luanda e depois provavelmente vinham para Portugal. Sempre que pegava naquelas caixas imaginava que estava a pegar em corpos de camaradas que tinham perdido a vida naquela guerra, ajudei lá a carregar muitos. Havia ali um secretismo muito grande. Além disso, em Nova Lisboa íamos variando as funções: ou estava de guarda à porta do quartel ou a fazer qualquer outra tarefa que não era sempre igual. Mas o cenário no Leste era mais complicado, embora eu tenha sido uma pessoa cheia de sorte. Eu era eletricista antes de ir para a tropa e ali em Nova Chaves não havia luz elétrica, funcionava tudo a petróleo: eu estava nesse setor a dar assistência onde fosse preciso. Além disso havia um gerador de corrente, para termos luz à noite, e era eu que estava incumbido de ligar e desligar o gerador todos os dias. De certa for
“Acho que carreguei muitos corpos que vinham para a Metrópole em caixas fechadas, embora nunca ninguém me tenha dito
ma, a minha profissão da metrópole acabou por me ajudar em África, embora tenha andado na zona operacional na mesma. No mato era a ração de combate, os cantis de água, aos fins de semana íamos lavar a nossa roupa, ouvíamos o relato da bola e, enquanto a roupa enxugava, estávamos todos nus a jogar à bola. São momentos que também ficam.
A minha companhia era angolana, mas também tinha muitos portugueses. Criámos verdadeiras ligações para a vida, que continuamos a celebrar todos os anos nos almoços de convívio em que recordamos aquele período das nossas vidas. Voltei nos primeiros dias de fevereiro de 1974. Para lá fomos no navio ‘Infante Dom Henrique’ e para cá regressámos de avião. No regresso fui a Fátima com a minha mãe, cumprir a promessa que ela tinha feito.
“Criámos entre nós, camaradas, ligações para a vida inteira