UMA “FÁBRICA” DE FAZER PAPÉIS
Lopes da Cruz faturava antecipadamente serviços que nunca seriam concretizados
Embora sendo uma personagem secundária na burla, Lopes da Cruz foi fundamental para a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) deslindar o Caso Partex – um dos mais complexos esquemas no desvio de verbas do Fundo Social Europeu (FSE) –, sendo entrevistado na edição em que ‘O Independente’ começou a revelar, a 27 de setembro de 1991, a estrutura de “O Polvo”. Afinal, foi ele quem mais faturas forneceu à Consulta, de José Alfaia e de Melro Félix.
Nesta altura, é também identificada outra figura central na trama: o presidente da Teorema e da Adetec, Temudo Barata, “aliado” de Alfaia e Félix – “o homem de confiança”, “a pessoa que dá a cara” –, que terá contactado Lopes da Cruz, de uma firma (cujo nome é preservado) que se dedicaria à área da consultoria e que tinha uma vasta agenda de clientes.
O objetivo era arranjar empresas que pudessem prestar, no âmbito da formação profissional, serviços à Consulta – que estabelecera um acordo de cooperação com a Teorema e a Adetec. Temudo explicava que seria preciso que as firmas fornecessem faturas antecipadas, para se poderem elaborar os processos de candidatura ao FSE enviados a Bruxelas, sem as quais “os adiantamentos não viriam”. Depois, com “a cativação da verba”, mandariam “executar os serviços”. As minutas dessas faturas eram “manuscritas” por Temudo. “O nome no cabeçalho, quais eram os trabalhos e as importâncias. Tudo detalhado. Portanto, era só fazer uma cópia da fatura.” De início, começou a ser pedida “uma coisa diminuta”; mas, “de um momento para o outro”, passou a ser em “catadupa”, com telefonemas “de cinco em cinco minutos” – “agora, é preciso isto (...) e aquilo”.
Decorridos “uns meses largos”, Lopes da Cruz começou a ficar preocupado, porque os futuros “pedidos de trabalhos” nunca mais se concretizavam. Percebeu, então, que os seus interlocutores estavam apenas a… “meter dinheiro ao bolso”. Ao tomar consciência do logro em que caíra – “apercebi-me, às tantas, de que não passava de uma fábrica de fazer papéis” – , decidiu colaborar com as autoridades fiscais.
Mas, após entregar “as fotocópias de todo esse processo” na IGF, como declarava a ‘O Independente’, teria motivos para viver atemorizado. “Andaram a assustar a [sua] mulher”, fizeram “um assalto ao [seu] escritório”, roubaram-lhe um automóvel, mais “várias coisas” e ainda “houve uma tentativa de rapto do [seu] filho, à porta do Liceu Francês”. Assim se entendia que, por não querer ser fotografado, a página da entrevista fosse ilustrada com um propositadamente tosco retrato-robô.
Denunciante passou a ter motivos para viver atemorizado