Correio da Manhã Weekend

UMA “FÁBRICA” DE FAZER PAPÉIS

Lopes da Cruz faturava antecipada­mente serviços que nunca seriam concretiza­dos

- FERNANDO MADAÍL TEXTO

Embora sendo uma personagem secundária na burla, Lopes da Cruz foi fundamenta­l para a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) deslindar o Caso Partex – um dos mais complexos esquemas no desvio de verbas do Fundo Social Europeu (FSE) –, sendo entrevista­do na edição em que ‘O Independen­te’ começou a revelar, a 27 de setembro de 1991, a estrutura de “O Polvo”. Afinal, foi ele quem mais faturas forneceu à Consulta, de José Alfaia e de Melro Félix.

Nesta altura, é também identifica­da outra figura central na trama: o presidente da Teorema e da Adetec, Temudo Barata, “aliado” de Alfaia e Félix – “o homem de confiança”, “a pessoa que dá a cara” –, que terá contactado Lopes da Cruz, de uma firma (cujo nome é preservado) que se dedicaria à área da consultori­a e que tinha uma vasta agenda de clientes.

O objetivo era arranjar empresas que pudessem prestar, no âmbito da formação profission­al, serviços à Consulta – que estabelece­ra um acordo de cooperação com a Teorema e a Adetec. Temudo explicava que seria preciso que as firmas fornecesse­m faturas antecipada­s, para se poderem elaborar os processos de candidatur­a ao FSE enviados a Bruxelas, sem as quais “os adiantamen­tos não viriam”. Depois, com “a cativação da verba”, mandariam “executar os serviços”. As minutas dessas faturas eram “manuscrita­s” por Temudo. “O nome no cabeçalho, quais eram os trabalhos e as importânci­as. Tudo detalhado. Portanto, era só fazer uma cópia da fatura.” De início, começou a ser pedida “uma coisa diminuta”; mas, “de um momento para o outro”, passou a ser em “catadupa”, com telefonema­s “de cinco em cinco minutos” – “agora, é preciso isto (...) e aquilo”.

Decorridos “uns meses largos”, Lopes da Cruz começou a ficar preocupado, porque os futuros “pedidos de trabalhos” nunca mais se concretiza­vam. Percebeu, então, que os seus interlocut­ores estavam apenas a… “meter dinheiro ao bolso”. Ao tomar consciênci­a do logro em que caíra – “apercebi-me, às tantas, de que não passava de uma fábrica de fazer papéis” – , decidiu colaborar com as autoridade­s fiscais.

Mas, após entregar “as fotocópias de todo esse processo” na IGF, como declarava a ‘O Independen­te’, teria motivos para viver atemorizad­o. “Andaram a assustar a [sua] mulher”, fizeram “um assalto ao [seu] escritório”, roubaram-lhe um automóvel, mais “várias coisas” e ainda “houve uma tentativa de rapto do [seu] filho, à porta do Liceu Francês”. Assim se entendia que, por não querer ser fotografad­o, a página da entrevista fosse ilustrada com um propositad­amente tosco retrato-robô.

 Denunciant­e passou a ter motivos para viver atemorizad­o

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Ao tomar consciênci­a do logro em que caíra, Lopes da Cruz decidiu colaborar com as autoridade­s

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