LEONOR DE ALMEIDA: TODA A NUDEZ SERÁ CASTIGADA
Pagou com o esquecimento a ousadia de ser uma “poetisa erótica”
Leonor de Almeida (1909-1983) foi uma poetisa que viveu das atividades profissionais de esteticista e de enfermeira.
Publicou apenas quatro livros: ‘Caminhos Frios’ (1947), ‘Luz do Fim’ (1950), ‘Rapto’ (1953) e ‘Terceira Asa’ (1960). Estes e a colaboração nas revistas literárias ‘Bandarra’ e ‘A Serpente’ chamaram a atenção de críticos como João Gaspar Simões e Jacinto do Prado Coelho. Foi comparada a Florbela Espanca e a Sophia de Mello Breyner e teve poemas incluídos na ‘Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa’, organizada por Maria Alberta Menéres e E. M. de Melo e Castro em 1959. Na ‘Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica’ (ed. Ponto de Fuga), Natália Correia chamou-lhe “poetisa erótica” e justificou: “Estamos perante uma poesia hermafrodita que, ora virilmente penetra, ora femininamente se torna côncava e languidamente passiva.”
No entanto, depois desta entrada auspiciosa no mundo das letras, o nome de Leonor de Almeida esfumou-se. Manteve-se durante décadas no esquecimento, a par de tantas outras criadoras que tiveram o atrevimento de se ‘meterem’ em atividades tradicionalmente consideradas coutadas masculinas. Recentemente – em 2020 -, a investigadora Cláudia Clemente resgatou-lhe a obra em ‘Na Curva Escura dos Cardos do Tempo. Poesia Reunida de Leonor de Almeida’ (ed. Ponto de Fuga) e contou a sua história em ‘Tatuagens de Luz. Para uma Imagem de Leonor de Almeida’ (ed. Documenta). “Ora virilmente penetra, ora femininamente se torna côncava e passiva
Do livro `Na Curva Escura dos Cardos do Tempo. Poesia Reunida de Leonor de Almeida', apresentação de Cláudia Clemente, ed. Ponto de Fuga
Posse
“Vem cá! Assim, verticalmente! Achega-te… Docemente…
Vou olhar-te… E, no teu olhar, colher Promessas do que quero prometer, Até à síncope do amor na alma! Colemos as mãos, palma a palma! A minha boca na tua, sem beijo… Desejo-te, até o desejo
Se queixar que dói…
E sou tua, assim, como nenhuma foi!”
Resgate
“Deixou-me no umbral da porta como uma árvore cansada de inverno
O meu olhar lançava apelos sem endereço e a carne escorria um suor de expatriada arrefecendo em cubos de desolação
Na atmosfera mumificada um vento de inutilidade espalhava sementes de nostalgia bifurcando os caminhos de aridez
E na asfixia da grande ausência a minha morte alongava-se em mim
Mas sexos de vivíparas abriram-se no poente e meus passos descolaram a viscosa passividade
Das bandeiras de guerra nasceram plumas brancas!
Tu vieste com esse vinho de rosas e urtigas e cada dia desenho uma nova cabeça no meu regaço
Tu vieste
e meu sangue é a manhã que nunca acaba!
Degelo meus dedos e procuro carícias nos astros para ti meu prémio de vitória ou meu prémio de derrota
minha terceira asa minha visão suplementar
Contigo flutuo numa interminável infância!
É preciso partir
Retiro o peso dos meus seios da concha do teu ventre e que o pânico dos prazeres cesse no teu rosto
Partamos!
Meus anjos ambulantes traçam marcos no ar para ser fácil e certa a viagem
Quero multiplicar o Espaço e enchê-lo de Amor procurar os homens que não tiveram vida e salvá-los!”
“Retiro o peso dos meus seios da concha do teu ventre