Correio da Manhã Weekend

BOM TEMPO! PARA QUEM?

- VICTOR BANDARRA JORNALISTA ANTIGA ORTOGRAFIA

O tempo dá para tudo e para nada. Dá com certeza para ideias feitas ou adágios empírico-filosófico­s, herdados da sabedoria dos antigos.

Ainda hoje os jovens entendem o “não é tarde nem é cedo” ou “o tempo o dirá”, mas não gastam muito tempo a reflectir que “o tempo dá remédio onde falta o conselho” ou que “o tempo passado é mestre do presente e do porvir”. Menos lhes interessa que em “Março, marçagão, de manhã Inverno e de tarde Verão” ou que “seca de Abril deixa o lavrador a pedir”. Os tempos, o do tiquetaque dos relógios, da vida e da morte, ou o tempo do “bom tempo” e do “mau tempo”, do sol e da chuva, são conceitos subtis, intrincado­s e muito traiçoeiro­s.

Nos tempos que correm, quase todos falam de “bom tempo” quando faz sol e de “mau tempo” quando chove ou arrefece. Já lá vai o tempo em que apontar o bom ou o mau tempo era uma questão de bom gosto para uns, citadinos a puxar ao chic, ou de necessidad­e para outros, os agricultor­es. Nos campos, uma boa chuvarada a tempo e horas era e é bênção dos céus, o verdadeiro “bom tempo”. Hoje, fala-se em “tempo de férias”, Julho ou Agosto, e de “bom tempo para férias”, quando o sol cai a pino e a vacinação anti-Covid dá uma abébia para uma saltada ao Algarve ou ao Gerês. Poucos recordam que, até 1974, a esmagadora maioria dos portuguese­s não gozava de direito a férias. No máximo, levavam com 8 dias de férias ao fim de “5 anos de bom e efectivo serviço”.

Esta semana, o reformado Joaquim recebeu filhos e neto, Rui, na sua casinha da região rural saloia. Em dia ensolarado, com pepinos, alfaces e pimentos à mão de apanhar, na horta, a família reuniu-se à volta de uma boa dose de sardinhas no carvão. Rui, ex-assalariad­o numa fábrica, está desemprega­do. Esteve em ‘lay-off’ mas acabou-se. Depenica as sardinhas, pensativo. Joaquim escuta na rádio que, em ano de pandemia, o salário médio até subiu 2,9 %. Bruaá de admiração. Rui sorri. “É tudo uma questão de fazer contas a tempo!” O avô não entende. Rui explica-se. “Os tipos com ordenados baixinhos, como eu, é que apanharam

com o desemprego da Covid!” Ou seja, para as estatístic­as contabiliz­am-se sobretudo os vencimento­s dos ainda empregados e queganham mais. Logo, estatistic­amente, aumentou o valor do salário médio. O avô entende. “Pois! É sol na eira e chuva no nabal!” É aqui que Rui não entende a tirada do avô. Joaquim passa à frente, tenta alegrar o neto. “Ó pá! Tristezas não pagam dívidas! Aproveita este bom tempo!” Gargalhada

melancólic­a. “Bom tempo, avô!? Bom tempo para quem?!”

“Pois! É sol na eira e chuva no nabal!

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