Morrendo devagar
Os Censos 2021 não mostram apenas que Portugal está a perder população. Também mostram que os imigrantes, que recebemos, não resolvem o saldo fisiológico que resulta de morrer mais gente do que nasce. Porém, revelam a verdade incontornável que a política nacional procura iludir e omitir. Dois terços do País estão moribundos. E o terço mais interior cada vez mais despovoado, mais pobre e mais velho. Basta consultar os dados do INE. Não é uma novidade. Nem é tema que não esteja bastamente estudado e para o qual surgem alertas regulares. Estamos a morrer devagar e os sucessivos governos fazem como o imperador Nero. Tocam música aos nossos ouvidos enquanto Roma arde. E dançam de alegria! É ver o chefe Costa, saltitando pelas autárquicas, mostrando a enorme fortuna que sacou de Bruxelas. Para o interior, é coisa de mostrar e não de mexer.
Sabe-se que é problema antigo e desafio para o qual tem de haver estadistas para rejuvenescer um País que se apaga. Porém, estadistas é coisa de que estamos exauridos. Apenas o espetáculo burlesco onde o faz de conta se substitui ao real. Onde as grandes vitórias não passam do deslumbramento com o uso e abuso do poder pessoal. Nem o governo, nem a oposição conseguem pensar Portugal como um todo. Vivem conforme os desejos das elites (putativas elites) urbanas, ignorando os mais pobres, os mais fracos, os mais sós.
É absurdo o desenho demográfico do País. E trágico. Cada vez mais só e isolado. Fecharam maternidades, acabou a ferrovia, extinguiram-se hospitais, estações dos Correios, escolas, agências bancárias, empresas e os jovens partiram. Partem desde os anos sessenta. O maior tesouro que cada País possui: o trabalho.
Os cânticos de sereia que agora escutamos, a propósito de fundos comunitários, já não iludem Ulisses. Não existe espaço para a ilusão no coração dos moribundos. Dos desprezados, dos humilhados e ofendidos pela desumanidade de um Poder que não os representa e os aniquila. E, assim, vamos morrendo devagar.n
NEM O GOVERNO NEM A OPOSIÇÃO CONSEGUEM PENSAR PORTUGAL COMO UM TODO