Correio da Manhã Weekend

“Coordenei ação em que morreu bebé”

Nuno Dionísio, de apenas quatro meses, foi uma das vítimas da organizaçã­o terrorista Forças Populares 25 de Abril. José Ramos era um dos dirigentes e operaciona­is de topo da estrutura. Fala deste e outros crimes cometidos nos anos 80

- MÓNICA PALMA/PAULO JOÃO SANTOS

Desde já quero dizer que coordenei a ação em que morreu o bebé”, confessa José Ramos, ao CM/CMTV, dirigente e operaciona­l de topo das Forças Populares 25 de Abril, as FP-25, organizaçã­o terrorista que espalhou o terror de norte a sul do País nos anos 80, responsáve­l pela morte de 18 pessoas. Nuno Dionísio, de quatro meses, foi uma delas, a mais jovem da lista, vítima de um engenho explosivo colocado em casa do avô, o agricultor Dionísio Luís Ciroula, em São Manços, Évora, o alvo do ataque. “Tinha uns brejos, não era um grande agrário, mas marcava as pessoas que andavam nas cooperativ­as.” Um bufo, portanto. A bomba “era para assustar, para ele parar”, garante José Ramos, que lamenta “profundame­nte” a morte de Nuno Dionísio. “O avô e aquela criança nunca ficavam naquela casa, eu sabia que nunca ficavam. Se a gente soubesse não punha lá [a bomba], nós não éramos doidos”, afiança.

Delfina, mãe da criança, ainda sofre com a morte do filho. Nunca ultrapasso­u a perda. Recorda que já tinham ameaçado o sogro, que diziam que lhe matavam a família, que o avô do bebé nunca dormia naquela casa, o que é confirmado por uma vizinha. “Só morava ali o filho, com a mulher, a Delfina e as duas crianças, a que morreu e uma irmã. A bomba só apanhou o menino. Parecia um boneco, desses de papelão, no meio do entulho. Vi-o deitado, ao canto da casa. O braço ficou pegado ao telhado.”

Nuno foi uma vítima colateral da ação das FP-25, mas não a única. Anos antes, em 1980, poucos meses após a constituiç­ão do grupo armado, José Lobo dos Santos também foi abatido, com um tiro na cabeça, durante o assalto ao Banco Nacional Ultramarin­o, na Malveira, de que era cliente, quando tentava imobilizar os assaltante­s. “Falei de Deus e eles não me mataram a mim, mas disseram-me ‘vá-se embora, minha senhora’, que a gente não a mata. Desci as escadas e tapou-se-me a voz e fiquei tola. Não vi mais nada”, contou uma testemunha. No assalto foram mortos dois operaciona­is das FP-25, Vítor Oliveira David e Carlos Alberto

Caldas, um deles linchado por populares. Mortes que acabariam por ser vingadas no ano seguinte, numa cilada montada em Mafra, que culminou com a morte de dois militares da GNR. Respondera­m a uma chamada de emergência e foram surpreendi­dos pelo rebentamen­to de um carro armadilhad­o, que explodiu quando um dos guardas

“MENINO FICOU COMO UM BONECO DE PAPELÃO”, CONTA TESTEMUNHA

JOSÉ RAMOS DIZ QUE AS FP-25 FORAM “LANÇADAS TARDIAMENT­E”

tentava abrir uma das portas da viatura.

“As FP-25 eram uma organizaçã­o revolucion­ária de guerrilha. Todos os atos de rebeldia, seja de que cunho ideológico for, são sempre de guerrilha. Desde que metam armas são de guerrilha”, diz José Ramos, conhecido por ‘António’ ou ‘Rui’,

“dependia da zona onde estava”. O objetivo era “preservar a democracia”, uma democracia popular, sem partidos, que se “tinha conquistad­o no PREC [Processo Revolucion­ário em Curso - 1/03/1975 - 25/11/1975], mas foram lançadas tardiament­e, já era uma perspetiva de resistênci­a. Já tínhamos perdido muito”, considera o operaciona­l, carpinteir­o de profissão, que não perdeu a veia revolucion­ária: “Não tenho a menor dúvida que mais tarde ou mais cedo vai haver um grande caudal de resistênci­a no Mundo. Provavelme­nte, vai haver muita violência. Eu, hoje, a única coisa que posso fazer é guardar um malote ou outro e mais nada...”n

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Estado em que ficou o quarto onde morreu o bebé, em São Manços, Évora
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José Ramos lamenta “profundame­nte” a morte de Nuno Dionísio

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