Correio da Manhã Weekend

Je suis Alzheimer

- TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA

No início de cada semestre, aviso os meus alunos: “Não se zanguem se não me lembrar dos vossos nomes; o único nome que nunca esqueço é o do Dr. Alzheimer.” São poucos os humanos que mantêm a memória intacta até idades avançadas. A maioria, em que me incluo, vai deixando de sentir a voz dos egrégios avós, ficando apenas as brumas da memória. Estou, por isso, sinceramen­te solidário com Ricardo Salgado. Ele já não vai tendo noção das coisas lá do BES e BESI e tal. Mas, sendo humilhante que tivesse de dizer ao juiz, como tantos larápios populares, “não me lembro, não me lembro!”, haverá médicos, sábios pela certa, corroboran­do o que já disseram os advogados do DDT: que ele tem “lapsos de memória”, lapsos impedindo-o de responder ao que o juiz quiser saber.

É muito comum, é de lei acontecer esta Síndrome de Alzheimer aos poderosos. Rui Zink lembrou no CM, com muita oportunida­de, o caso de Vincent Gigante, padrinho da máfia americana, que invocou demência e, coitado, teve de andar na rua em pijama e chinelos, falando sozinho, para escapar à prisão. Queira Deus que o nosso DDT não chegue a tal! A Boca do Inferno é tão perigosa! E os pijamas de seda estão tão caros!

Alguém me lembrou depois um caso ao contrário, o de Adelaide Cunha, filha e herdeira do fundador do Diário de Notícias e casada com o director, Alfredo Cunha. Adelaide fugiu em 1918 com Manuel, o motorista. Ora isso faz-se?, pôr os cornos ao marido, rico, homem de sociedade, e director do mais importante media nacional? Não se faz. Só havia uma solução: declará-la doida. E assim foi. Em sintonia com os advogados do corno famoso, declararam-na doida médicos muito sábios: Egas Moniz, Júlio de Matos, José Sobral Cid… Libertada, Adelaide viveu com o amante no Porto até morrer em 1954, feliz para sempre e sem sinal de demência. Os médicos até mereciam um Nobel… e não é que Egas Moniz o venceu?

Lembrei-me também de um ministro francês, corruptíss­imo, aqui há anos, chegando ao tribunal mancando, de bengala… só enquanto o julgamento durou. Coitado! O que ele sofreu para ter gota! Felizmente passou.

Tudo isto se torna mais alegre na ficção. E alguém lembrou o advogado dos mafiosos — eles, outra vez — no filme “Casino”, de Scorsese, dizendo ao juiz: “Your Honor, como pode ver, os meus clientes estão velhos e doentes. Qualquer encarceram­ento poderia colocar um sério risco para a sua saúde.” Era vê-los no tribunal, de bengala, oxigénio, cadeiras de rodas, enfermeira­s. Não quero isso. Prefiro que o nosso DDT confunda a Sardenha com a Comporta e vá para lá de pochette brincar aos pobrezinho­s e falar francês.n

PREFIRO QUE O NOSSO DDT CONFUNDA A SARDENHA COM A COMPORTA E VÁ PARA LÁ DE POCHETTE BRINCAR AOS POBREZINHO­S E FALAR

FRANCÊS

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