A TOCATA DA TRAÍDA

Bateu à minha porta uma ciumenta em estado agudo. Seguiu o desatento marido e não foi difícil encontrar a morada de quem fez o milagre de ter curado um autêntico ansioso. Evidentemente, a senhora percebeu que o assunto, que estivera tantos anos pela hora da morte, encontrava-se melhorzinho. E as melhoras foram tão santas e tão boas, que o homem voltou a ser homem. Ele ter-lhe-á dito que era ela a responsável pela boa reviravolta. Mas, e não existe volta a dar, uma mulher sabe sempre, mesmo quando não há vestígios diretos, sabe, claro, se a sua testa se encontra enfeitada. E, pronto, pôs-se a caminho do meu caminho. A primeira impressão que tive desta coitada é que vinha com a cara, e vontade, tradicional de uma traída: vem matar aquela que julga ser a sua substituta. Não deu tiro nenhum, até parecia o marido nos tempos horríveis em que a sua espingarda só conseguia apontar para os sapatos. Não foi

“UMA MULHER QUE TEM A CERTEZA QUE ANDA A SER TROCADA, E À GRANDE, DETESTA, QUE LHE DIGAM PORMENORES DA FACADA”

de rodeios; o que é que eu havia feito ao esposo? Bem, o verbo fazer não é o mais indicado para o caso, que era bicudo. Nestas coisas, sugere-se que seja o próprio a usar as mãos na massa, porque enquanto ali navega, vai sabendo a rota que deve tomar.

Uma mulher que tem a certeza que anda a ser trocada, e à grande, detesta, certamente, que lhe digam pormenores da facada. Pois, esta mulher é a exceção. Quis que lhe dissesse detalhes, e dos complicados, acompanhado de perguntas: como é que o incapaz, de repente, passou a capaz? Aguenta-se, o meu prazer, o marido dela, quanto tempo? Na cama onde se deitava o casal, o relógio era curto. E claro, a questão rotineira: O que é que eu tenho que ela não tem? Ora. Dizer a um homem que se despache, que é provável que não chegue, que tenha menos pressa ou superior pontaria, que não se esqueça da função dos dedos e do resto, é um passaporte que leva qualquer um à terra da traição.