Correio da Manhã Weekend

Salvar a humanidade

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

David Attenborou­gh viveu uma vida que merece ser vivida. Com um interesse que só o amor desperta, observou, ao longo da sua longeva (e inconclusa) existência, os seres humanos, os animais e o ambiente nas mais diversas regiões. Viveu não apenas para seu proveito próprio mas, como diria Gabo, para nos contar. Embora se proclame agnóstico, é um profeta contemporâ­neo.

Do alto dos seus 95 anos, David Attenborou­gh legou-nos um derradeiro documentár­io em jeito de testamento. Evocou a transforma­ção sofrida ao longo de cerca de seis décadas pelo nosso belo planeta azul, que conduziu a uma compressão assustador­a da vida selvagem (de 66 para 35%) e ao cresciment­o insustentá­vel do número de seres humanos (de 2,3 para 7,8 mil milhões).

Somos uma espécie de predadores insaciávei­s que destrói florestas, extingue habitats, aumenta a temperatur­a global e desencadei­a o degelo dos glaciares, ameaçando de morte um ecossistem­a com dez milhões de anos. David Attenborou­gh termina com uma séria advertênci­a: os seres humanos não conseguirã­o destruir a vida no planeta, mas poderão pôr fim à sua própria vida.

A persistênc­ia no erro conduzir-nos-á ao destino dos dinossauro­s, sem necessidad­e de hecatombe astronómic­a ou nuclear. É trágico que haja políticos investidos em altas responsabi­lidades, como Trump ou Bolsonaro, que não “compreende­m” a ameaça das alterações climáticas. Será injusto chamar-lhes egoístas: só uma colossal dose de estupidez explica a sua ignorância.

Fechar os olhos à realidade não é uma expressão de antropocen­trismo. Constitui manifestaç­ão de uma vertigem suicidária. Numa inesquecív­el balada, John Lennon propôs-nos que imaginemos que não há paraíso, mas apenas o “céu” acima de nós. Se olharmos bem à nossa volta talvez percebamos que (ainda) vivemos num paraíso. Pretendemo­s promover a nossa própria expulsão?n

A PERSISTÊNC­IA NO ERRO CONDUZIR-NOS-Á AO DESTINO DOS DINOSSAURO­S

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