Correio da Manhã Weekend

Um artigo assinado por dois prestigiad­os

Artigo de Figueiredo Dias e de Costa Andrade acabou por “estoirar” processos e investigaç­ões

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penalistas de Coimbra, em 1994, lançou a confusão e acabou por ‘estoirar’ com processos e investigaç­ões em torno das verbas do Fundo Social Europeu

Um artigo de dois catedrátic­os de Direito de Coimbra, Jorge Figueiredo Dias e Manuel Costa Andrade, publicado na ‘Revista Portuguesa de Ciência Criminal’, na edição de julho-setembro de 1994, com o título “Sobre os crimes de fraude na obtenção de subsídios e subvenções e de desvio de subvenção, subsídio e crédito bonificado”, lançou a confusão em torno das verbas do Fundo Social Europeu (FSE). Fundadores do PPD/PSD (partido que nunca abandonari­am), ninguém se atreveria a colocar em causa a independên­cia destes reputados mestres do Direito Penal Português. Mesmo desmentind­o sempre tal epíteto, Figueiredo Dias é considerad­o por muitos como o ‘pai’ do Código Penal Português (mérito que atribui ao seu mestre Eduardo Correia). E, apesar de penalista, Costa Andrade ‘negociou’ as duas principais revisões constituci­onais e, até ao passado mês de fevereiro, foi o sétimo presidente do Tribunal Constituci­onal.

Se os tribunais superiores, na época em que começaram a surgir as fraudes mais complexas, como recordaria Eduardo Dâmaso no livro ‘Corrupção – Breve História do Crime que Nunca Existiu’ (ed. Objectiva), nem sequer estavam organizado­s “para receber tantos e tão densos recursos”, menos condições podiam ter “para uma batalha jurídica com as opiniões, transforma­das em pareceres, de juristas como Jorge Figueiredo Dias e Manuel Costa Andrade”.

A querela teve como cerne a parte do artigo que indicava que, para “efeitos de fraude na obtenção de subsídio, só relevam as manobras fraudulent­as e os erros que antecedem a concessão do subsídio e a predetermi­nam causalment­e. Uma vez deferido positivame­nte o pedido de subsídio e o direito ao seu recebiment­o, já não podem valorar-se como fraude na obtenção as irregulari­dades que venham a ter lugar nos momentos ulteriores da sua efetivação e aplicação. Não podem, concretame­nte, valorar-se como fraude na obtenção de subsídio, nem sequer na forma tentada, as irregulari­dades (…) que inquinem o chamado ‘dossier de saldo’, preordenad­o ao encerramen­to das contas ou ao recebiment­o da segunda ‘tranche’ do subsídio.”

Ou seja, qualquer futura utilização indevida do dinheiro de Bruxelas não caberia neste tipo de delito. O texto, que logo fez doutrina, foi aproveitad­o pelos advogados para ‘inocentar’ os seus poderosos constituin­tes e pelos magistrado­s para sustentar a decisão em sentenças e acórdãos. No fundo, esta interpreta­ção, como sublinha Eduardo Dâmaso, “praticamen­te [estoirou] com a maioria dos processos em investigaç­ão”.

O texto fez logo doutrina e foi aproveitad­o

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Os tribunais não tinham condições para uma batalha jurídica com os reputados autores do artigo

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