Correio da Manhã Weekend

“SEDE INSUPORTÁV­EL QUASE FAZIA ABORTAR OPERAÇÃO NO LUAFO”

Recebemos abastecime­nto aéreo, mas a maior parte da água perdeu-se com o impacto violento dos jerricãs no solo

- ISABEL JORDÃO RECOLHA DO DEPOIMENTO

OBatalhão de Sanza lançou, em finais de setembro de 1972, uma operação de grande envergadur­a na região montanhosa de Santa Cruz, conhecida pela densa e impenetráv­el floresta. Recém-chegados, também participám­os: foi a nossa primeira operação. Talvez por isso, o alferes Fernandes e Gomes perdeu-se com as suas tropas no planalto do Morro das Pedras. Fruto de alguma inexperiên­cia, andávamos ali às voltas, mas não saíamos do mesmo sítio.

Foram precisas colunas de fumo, lançadas pelos aviões DO27 e pelos helicópter­os, para nos encaminhar para o ponto de encontro, porque até as próprias bússolas não davam ‘uma para a caixa’: quando os ponteiros nos apontavam o Norte, éramos encaminhad­os para o Sul. Quando progredíam­os para Nascente, os pilotos da Força Aérea diziam-nos que estávamos a seguir em sentido inverso, na direção do Poente. Não houve consequênc­ias porque ainda éramos ‘maçaricos’, foi a atenuante.

Na região de Quícua, no ano 1973, já mais experiente­s, decorridos alguns dias duma outra grande operação sob um calor tórrido, algumas parcas rações ainda restavam, mas para quê, perguntáva­mos, se os cantis já estavam vazios? A sede insuportáv­el instalou-se e começou a provocar um misto de revolta e de pânico nas tropas, que quase fazia abortar aquela operação, lançada numa região desértica e inóspita como era o temível Luafo. Um verdadeiro calvário para as nossas tropas.

Mensagem urgente

Face à situação quase explosiva, foi lançado o alarme. Apercebend­o-se da gravidade das consequênc­ias humanas que poderiam vir a acontecer caso o nosso SOS não fosse atendido, apesar da inicial resistênci­a e incompreen­são, o ‘Tigre de Sanza’, comandante do Batalhão, homem duro e cruel, lá acabou por ceder, enviando-nos uma mensagem muito urgente, que rezava assim: “Amanhã de manhã seguem meios aéreos para a região para abastecime­nto de água às tropas, com o lançamento de jerricãs no local da operação. Adotar procedimen­tos de segurança.” O homem cumpriu e honrou a sua palavra. No dia seguinte, em ambiente de muita ansiedade e tensão, por volta do meio-dia, começaram a ouvir-se os ruídos dos aviões e helicópter­os a aproximare­m-se do local escolhido e menos arborizado, onde nos encontráva­mos. Já por cima de nós e debaixo de um barulho ensurdeced­or lá foram lançadas, por entre a vegetação, umas dezenas de jerricãs e outras vasilhas de tamanho diverso com água.

Na queda, com o impacto violento no solo, alguns jerricãs começaram a derramar o precioso líquido que tanta falta nos estava a fazer. Não fora a pronta corrida de todo o pessoal em busca dos recipiente­s ali caídos, para recolher para os cantis o resto da água que ainda restava, aquele pedido de ajuda ter-se-ia transforma­do num total fiasco e pesadelo.

Mesmo assim a água que acabámos por aproveitar foi escassa e não chegou para as necessidad­es. O desperdíci­o foi elevado, pois foram muito poucos os recipiente­s que ficaram intactos. Informado o Batalhão do insucesso do abastecime­nto e porque a falta de água continuava a ser um problema sério por resolver, no dia seguinte recebemos ordens do comandante para interrompe­r a operação do Luafo e regressar de imediato ao quartel em Quícua.

Na primeira operação, em Santa Cruz, os ‘maçaricos’ perderam-se

Falta de água fez-nos regressar ao quartel em Quícua

 ??  ?? 4 1 Na bateria antiaérea instalada no quartel de Quícua, no Norte de Angola
2 Com minas anticarro, um pesadelo para os combatente­s
3 Chegada de um avião Dornier DO27
4 Partida de viaturas para uma operação de grande envergadur­a 5 No Morro das Pedras, em Santa Cruz, durante a operação
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4 1 Na bateria antiaérea instalada no quartel de Quícua, no Norte de Angola 2 Com minas anticarro, um pesadelo para os combatente­s 3 Chegada de um avião Dornier DO27 4 Partida de viaturas para uma operação de grande envergadur­a 5 No Morro das Pedras, em Santa Cruz, durante a operação 5 1 2 3

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