“SEDE INSUPORTÁVEL QUASE FAZIA ABORTAR OPERAÇÃO NO LUAFO”
Recebemos abastecimento aéreo, mas a maior parte da água perdeu-se com o impacto violento dos jerricãs no solo
OBatalhão de Sanza lançou, em finais de setembro de 1972, uma operação de grande envergadura na região montanhosa de Santa Cruz, conhecida pela densa e impenetrável floresta. Recém-chegados, também participámos: foi a nossa primeira operação. Talvez por isso, o alferes Fernandes e Gomes perdeu-se com as suas tropas no planalto do Morro das Pedras. Fruto de alguma inexperiência, andávamos ali às voltas, mas não saíamos do mesmo sítio.
Foram precisas colunas de fumo, lançadas pelos aviões DO27 e pelos helicópteros, para nos encaminhar para o ponto de encontro, porque até as próprias bússolas não davam ‘uma para a caixa’: quando os ponteiros nos apontavam o Norte, éramos encaminhados para o Sul. Quando progredíamos para Nascente, os pilotos da Força Aérea diziam-nos que estávamos a seguir em sentido inverso, na direção do Poente. Não houve consequências porque ainda éramos ‘maçaricos’, foi a atenuante.
Na região de Quícua, no ano 1973, já mais experientes, decorridos alguns dias duma outra grande operação sob um calor tórrido, algumas parcas rações ainda restavam, mas para quê, perguntávamos, se os cantis já estavam vazios? A sede insuportável instalou-se e começou a provocar um misto de revolta e de pânico nas tropas, que quase fazia abortar aquela operação, lançada numa região desértica e inóspita como era o temível Luafo. Um verdadeiro calvário para as nossas tropas.
Mensagem urgente
Face à situação quase explosiva, foi lançado o alarme. Apercebendo-se da gravidade das consequências humanas que poderiam vir a acontecer caso o nosso SOS não fosse atendido, apesar da inicial resistência e incompreensão, o ‘Tigre de Sanza’, comandante do Batalhão, homem duro e cruel, lá acabou por ceder, enviando-nos uma mensagem muito urgente, que rezava assim: “Amanhã de manhã seguem meios aéreos para a região para abastecimento de água às tropas, com o lançamento de jerricãs no local da operação. Adotar procedimentos de segurança.” O homem cumpriu e honrou a sua palavra. No dia seguinte, em ambiente de muita ansiedade e tensão, por volta do meio-dia, começaram a ouvir-se os ruídos dos aviões e helicópteros a aproximarem-se do local escolhido e menos arborizado, onde nos encontrávamos. Já por cima de nós e debaixo de um barulho ensurdecedor lá foram lançadas, por entre a vegetação, umas dezenas de jerricãs e outras vasilhas de tamanho diverso com água.
Na queda, com o impacto violento no solo, alguns jerricãs começaram a derramar o precioso líquido que tanta falta nos estava a fazer. Não fora a pronta corrida de todo o pessoal em busca dos recipientes ali caídos, para recolher para os cantis o resto da água que ainda restava, aquele pedido de ajuda ter-se-ia transformado num total fiasco e pesadelo.
Mesmo assim a água que acabámos por aproveitar foi escassa e não chegou para as necessidades. O desperdício foi elevado, pois foram muito poucos os recipientes que ficaram intactos. Informado o Batalhão do insucesso do abastecimento e porque a falta de água continuava a ser um problema sério por resolver, no dia seguinte recebemos ordens do comandante para interromper a operação do Luafo e regressar de imediato ao quartel em Quícua.
Na primeira operação, em Santa Cruz, os ‘maçaricos’ perderam-se
Falta de água fez-nos regressar ao quartel em Quícua