Correio da Manhã Weekend

Aguentem!

- Francisco Moita Flores Professor Universitá­rio

Foi espantosa a reação da nossa autoprocla­mada Esquerda à tomada do poder pelos Talibãs no Afeganistã­o. Com celebraçõe­s mais ou menos eufóricas pela derrota dos Estados Unidos, símbolo maior do Mal, caiu-lhes nas mãos a batata quente dos direitos humanos, sobretudo das mulheres e crianças, sem saberem o que fazer para defender, explicar ou protestar contra a opressão assassina do regime teocrático sobre as suas fêmeas. Tem valido de tudo. Desde a discussão sobre a natureza dos regimes, as diferenças civilizaci­onais, a comerciali­zação da democracia e, até, o relativism­o de valores universais, nos quais se inscreve a luta pela igualdade de género. Ficará na história destes dias, a declaração misógina e brutal de Varoufakis, um dos grandes símbolos da Esquerda, empolgado com a vitória talibã e pedindo às ‘irmãs’ afegãs que aguentem. Nem mais! Aguentem as chibatadas, a impossibil­idade de ir à escola, de obedecerem como escravas ao poder dos machos, de serem humilhadas publicamen­te a pontapé ou à pedrada por saírem sem o pai ou o irmão para passear.

A nossa Esquerda alegre segue o ‘Aguentem!’ do político grego da extrema-esquerda. Porém, os valores da cidadania, construído­s ao longo de séculos de reflexão e combate político, são património universal da humanidade. Não é possível desprezá-los, embora reconhecen­do patamares diferentes de evolução. Por cá, nos discursos, redes sociais, para consumo interno, as nossas militantes airosas, superficia­is, são juízes morais, superiorme­nte morais, vanguardas de coisa nenhuma, albergues de palavras indignadas. Ninguém se exclui da humanidade. Não é possível pela nossa natureza. E nela se incluem as mulheres e crianças afegãs. Pedir-lhes que ‘aguentem!’ é expurgá-las do direito à existência. É esta putativa Esquerda, reacionári­a e cínica que nos governa e reclama para si a defesa dos direitos da mulher. É a hipocrisia na sua condição mais absurda.n

NINGUÉM SE EXCLUI DA HUMANIDADE. NÃO É POSSÍVEL PELA NOSSA NATUREZA

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