Aguentem!
Foi espantosa a reação da nossa autoproclamada Esquerda à tomada do poder pelos Talibãs no Afeganistão. Com celebrações mais ou menos eufóricas pela derrota dos Estados Unidos, símbolo maior do Mal, caiu-lhes nas mãos a batata quente dos direitos humanos, sobretudo das mulheres e crianças, sem saberem o que fazer para defender, explicar ou protestar contra a opressão assassina do regime teocrático sobre as suas fêmeas. Tem valido de tudo. Desde a discussão sobre a natureza dos regimes, as diferenças civilizacionais, a comercialização da democracia e, até, o relativismo de valores universais, nos quais se inscreve a luta pela igualdade de género. Ficará na história destes dias, a declaração misógina e brutal de Varoufakis, um dos grandes símbolos da Esquerda, empolgado com a vitória talibã e pedindo às ‘irmãs’ afegãs que aguentem. Nem mais! Aguentem as chibatadas, a impossibilidade de ir à escola, de obedecerem como escravas ao poder dos machos, de serem humilhadas publicamente a pontapé ou à pedrada por saírem sem o pai ou o irmão para passear.
A nossa Esquerda alegre segue o ‘Aguentem!’ do político grego da extrema-esquerda. Porém, os valores da cidadania, construídos ao longo de séculos de reflexão e combate político, são património universal da humanidade. Não é possível desprezá-los, embora reconhecendo patamares diferentes de evolução. Por cá, nos discursos, redes sociais, para consumo interno, as nossas militantes airosas, superficiais, são juízes morais, superiormente morais, vanguardas de coisa nenhuma, albergues de palavras indignadas. Ninguém se exclui da humanidade. Não é possível pela nossa natureza. E nela se incluem as mulheres e crianças afegãs. Pedir-lhes que ‘aguentem!’ é expurgá-las do direito à existência. É esta putativa Esquerda, reacionária e cínica que nos governa e reclama para si a defesa dos direitos da mulher. É a hipocrisia na sua condição mais absurda.n
NINGUÉM SE EXCLUI DA HUMANIDADE. NÃO É POSSÍVEL PELA NOSSA NATUREZA