Correio da Manhã Weekend

UMA PISCINA QUE NUNCA HOUVE

- SOUSA HOMEM ANTIGO ADVOGADO ANTIGA ORTOGRAFIA

Há muitos anos, quando a idade começou apesar pela primeira vez( se bem que as minhas irmãs–somos cinco, três rapazes e, digamos, duas raparigas – mantenham que nasci já com fato de três peças e chapéu na mão), visitei este eremitério de Moledo e decidi que era aqui que queria aproveitar para passar os derradeiro­s anos da minha vida, entre arvoredo, vasos de hibiscos, japoneiras encostadas ao muro, livros acumulados ao longo de vários anos de preguiça – e o mar que sitia a Ínsua e prolonga a visão do monte de Santa Tecla, já em Espanha, do outro lado da foz do Minho. A família perguntou-se várias vezes por que razão, tendo decidido deixar para trás o Porto, onde vivi quase toda a vida, não me refugiava em Ponte de Lima, de onde provêm todas as vergônteas da nossa genealogia, de que a última guardiã foi a Tia Benedita, a matriarca miguelista dos Homem. Aquele casarão de pedras de granito, paredes de cal, trepadeira­s de roseiras de Santa Teresinha, onde se guarda a cópia do retrato do Senhor Dom Miguel, além de outras e velhas relíquias familiares (como o serviço da Companhia das Índias), além de uma mesa onde se sentam os participan­tes no almoço anual da família, estaria a calhar para um velho celibatári­o que finalmente decide conformar-se com o calendário da sua idade. Porém, nem me pertencia em pleno–e eu precisava do ruído domara assombrar-me a tranquilid­ade. Mo ledo, que foi sempre uma praia antidemocr­ática, de águas frias e areal acolhedor, passou a ser a minha casa e o lugar onde recebi, primeiro, a parte da família que continuou a frequentar os almoços de domingo, depois, os vários acampament­os de sobrinhos que vinham veranear e ocupar a barraca de praia reservada à época e, finalmente, amigos avulsos que vêm visitar uma curiosidad­e arqueológi­ca anteriorà promessa do apocalipse eàÁgu ade Melgaço engarrafad­a: eu.

Os meus sobrinhos perguntara­m-me várias vezes porque não tinha eu pensado numa piscina para alegrar este casarão, o que teria sido umain ovação para a época. Deitei contasà vida, e era caro. Mas a verdade é que eu nunca entrara numa piscina e não saberia dizer o que se faz numa piscina. Dona Ester, minha mãe, acreditava no poder curativo do iodo e das águas salgadas, largando-nos à beira das ondas e ao sol do Alto Minho, que tinha magníficas qualidades bronzeador­as–e a minha piscina privativa portanto, foi sempre o grande mar de Mo ledo, inóspito e romântico. E aqui estou, dobrando os 90, sem saber o que as pessoas fazem numa piscina que não possam fazer no mar, além de provas desportiva­s e inalações de cloro.

Nesta altura, nenhum dos meus sobrinhos me pergunta pela piscina. Limitar-me-ia a olhar para a corola das ondas e para a bandeira, ora verde, ora amarela, e a murmurar qualquer coisa sobre o papel regenerado­r do iodo a céu aberto. Foi isto a minha vida.

“A minha piscina privada, portanto, foi sempre o grande mar de Moledo

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal