NÃO APRENDEMOS QUASE NADA
O novo livro de Niall Ferguson mostra-nos porque temos de estudar as catástrofes - para nos tornarmos seres racionais
Uma das minhas tias-avós tinha umin teres san tebor dão que servia para quase todas as ocasiões :“Não somos nada.”
Quando trovejava, quando o granizo punha em perigo as vinhas, quando alguém morria, quando um familiar adoecia, quando o pão saía do forno mal cozido, quando lhe sobrevinha uma enxaqueca, a minha tia repetia a frase: “Não somos nada.” E nós ríamos.
Niall Ferguson reconduziu-me a essa frase evocando outra circunstância, a de uma série de televisão britânica dos anos 60 em que o protagonista repetia um bordão semelhante: “Estamos perdidos.” Quando se acabava o leite ou se perdia o último autocarro – lá vinha o “estamos perdidos” de ‘Dad’s Army’.
Porém, nem o meu “não somos nada” nem o “estamos perdidos” de Niall Ferguson (um historiador corajoso) significam exatamente o fim do mundo ou achegada do apocalipse.Aliás ,“o que temos a temer não éo fim domun domas si mas grandes catástrofe sem que a maioria da população sobrevive ”. Uma dela sé ada Covid-19que,in de pendentemente da sua dimensão trágica, expôs limitações dos estados contemporâneos (sobretudo o facto de não terem aprendido nada com a História, de subestimarem ameaças ou de esperarem por certezas que não chegam) e um modelo que vem do início dos tempos – e que não está reduzido a catástrofes pandémicas, mas também militares, políticas ou naturais. Niall Ferguson leva-nos de viagem pelas pandemias históricas, desde a descrita por Tucídides durante as guerras do Peloponeso, no século V a.C, até à gripe espanhola do século XX, passando pela ‘peste negra’ da Idade Média ou pela que atingiu Constantinopla no tempo de Justiniano, no século VI – encontrando padrões, modelos, desafios, medos comuns, números de vítimas e estatísticas – tal como relembra as ilusões da ciência, as tragédias militares e políticas, bem como a natureza do nosso mundo como um sistema de redes pelas quais se espalham os vírus, as notícias falsas, o medo e o falso otimismo.
Ferguson, que se tem ocupado sobretudo de história financeira e política, mostra-nos como não estamos preparados para as catástrofes diante das quais, muitas vezes, “não somos nada” ou, então, “estamos perdidos”. O livro detém-se na Covid-19 por comparação com outras tragédias. Escrito em 2020, ainda não assistira ao regresso dos talibãsaCabul–eà forma como uma pandemia faz esquecer outra, e assim sucessivamente, para nos desenhar o retrato de uma humanidade que aprende pouco e muito raramente com o passado. Por isso, é um livro absolutamente indispensável para o futuro.
Niall Ferguson leva-nos de viagem pelas pandemias históricas, encontrando padrões, modelos, desafios, medos comuns, números de vítimas e estatísticas