Correio da Manhã Weekend

Terror negociado

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

Houve negociaçõe­s “secretas” entre a Administra­ção Trump e os talibãs, que se estenderam ao mandato de Biden. É ingénuo pretender que nunca se deve negociar com os terrorista­s. Em várias situações deve negociar-se (ou fingir que se negoceia) para salvar vidas, numa lógica de proporcion­alidade e sem ceder ao consequenc­ialismo. Os fins não justificam todos os meios.

Aceita-se que haja negociaçõe­s secretas para garantir a segurança e salvaguard­ar o resultado. Mas não se compreende o secretismo de um acordo já celebrado. O que há a esconder? No caso do Afeganistã­o, os EUA acordaram a retirada e até estabelece­ram prazo. Em contrapart­ida, que garantias obtiveram de respeito pelos direitos humanos e cessação de atividades terrorista­s?

Os abominávei­s atentados no aeroporto de Cabul prenunciam o pior. Terão sido perpetrado­s pelo daesh isis ou por uma fação “mais radical” dos talibãs, mas importa não esquecer que são farinha do mesmo saco. Integram-se no mesmo ramo do Islão (sunismo), do qual fazem uma leitura anacrónica, e estão apostados em fundar um Estado sem Direito com expansão universal.

A autoria de um atentado terrorista nem sempre é fácil de descortina­r. Por exemplo, quem sequestrou e assassinou Aldo Moro? Quem lançou fogo ao Reichstag? No caso do aeroporto de Cabul, resta saber qual foi o cérebro que tudo orquestrou e manipulou o executor suicida do primeiro atentado, decerto mais governado pelo ódio cego do que por um raciocínio estratégic­o.

Não estou certo de que os talibãs tenham sido os grandes prejudicad­os pelos atentados. Na verdade, não estão interessad­os em que lhes atribuam a autoria e até advertiram da sua iminência (o que deixa uma interrogaç­ão sobre a proximidad­e dos executores). Porém, na perspetiva da retirada dos aliados e do efeito dissuasor da diáspora, tudo indica que foram beneficiad­os.n

NÃO SE COMPREENDE O SECRETISMO DE UM ACORDO JÁ CELEBRADO

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