A DEMOCRACIA VAI MORRER?
A democracia liberal não depende apenas de eleições, mas de uma magistratura independente e da liberdade da imprensa
“A atual lei eleitoral tem uma chaga: dá aos partidos e não aos cidadãos a faculdade de escolher quem os irá representar no Parlamento”
Tenhoandadoalerobrassobreadegenerescência dos regimes democráticos nas quais se argumenta que a Europa e os EUA irão, a prazo, ser entregue a líderes cujo sonho é governar sem um parlamento e sem respeito pelas liberdades fundamentais. Receio que este pessimismo histórico contribua não para melhorar a forma de governar mas para que os cidadãos se convençam de que a democracia representativa é uma coisa do passado. Exagerar os perigos não é a melhor forma de os enfrentar. Os anglo-saxónicos têm uma frase, ‘a self-fulfilling prophecy’, que vem a propósito lembrar. A expressão foi usada pela primeira vez pelo sociólogo Robert K. Merton, que, no seu livro ‘Social Theory and Social Structure’ (1949), analisou a corrida aos bancos durante a Grande Depressão, tendo verificado que, no momento em que se difundiu o boato de que todas aquelas empresas estariam em dificuldades os depositantes das mais sólidas se apressaram a retirar de lá o seu dinheiro, levando a que, de facto, acabassem por se tornar insolventes. Vejamos o que por aqui se passa.
Uma sondagem recente organizada por Alice Ramos e Pedro Magalhães revela que, em Portugal, 63% dos meus compatriotas não veriam com maus olhos que o País viesse a ser governado por “um líder forte que acabe com o Parlamento e com as eleições”. Poderia refugiar-me na crença simplista de que “sondagens são sondagens”, mas nos dias que correm até eu noto o crescente clamor por “um governo forte”, um eufemismo para designar uma ditadura.
Claro que sei que no nosso país há causas que ajudam a explicar o fenómeno, desde logo a atual lei eleitoral que dá aos partidos e não aos cidadãos a faculdade de escolher quem os irá representar no Parlamento. É esta chaga que conduziu à perceção de que o parlamento para nada serve, ou antes, que serve para os deputados - escolhidos pelos secretários-gerais - cuidarem dos seus interesses. Ao longo dos tempos, a liberdade tem sido entendida de diversas formas. Aliás, quem argumenta que a democracia liberal está em ruínas esquece que ela não depende apenas de eleições, mas da existência de umamagistraturaindependenteeda liberdade da imprensa. Um dia, sem que os cidadãos para isso tivessem contribuído, o velho regime caiu. A isto se chamou a Revolução dos Cravos, feita por militares fartos de estarem na linha da frente de uma guerra colonial imbecil. Infelizmente, sob uma retórica que proclamava a liberdade, cedo as águas se turvaram, o que é pena, porque a grande questão é ainda hoje sabermos qual é o papel que o Estado deverá desempenhar na sociedade. Entre nós, todos os setores políticos sonham com a transformação da sociedade através doEstado.‘Ergo’,nãohouve,nãohá, entre nós uma tradição liberal. E isto não é profecia: é um facto histórico.