Correio da Manhã Weekend

“A HISTÓRIA ERA AQUI ONDE VIVÍAMOS E TÍNHAMOS A OBRIGAÇÃO DE A COBRIR”

- POR FERNANDA CACHÃO

No início da manhã de 11 de Setembro de 2001, outro fotógrafo da Agência France-Presse telefonou a Stan Honda e disse-lhe que “um avião se tinha despenhado contra as torres do World Trade Center”. “Ele estava a ver os programas noticiosos da manhã na televisão. Esta era definitiva­mente uma história que tínhamos de cobrir, por isso ambos decidimos ir para a baixa de Manhattan. Peguei nas minhas câmaras e equipament­o e dirigi-me de metro para o centro da cidade”, contou à ‘Domingo’ o fotógrafo que nesse dia acabou por fazer algumas das mais icónicas imagens da tragédia que mudou para sempre os Estados Unidos da América e o Mundo. Há 20 anos, ele fotografou Marcy Borders, funcionári­a do Banco da América, que trabalhava há um mês no World Trade Center e sobreviveu ao seu colapso, após os ataques da Al-Qaeda. Borders ficou para sempre a assustada senhora coberta de poeira (‘The Dust Lady’).

Stan Honda trabalhou como fotojornal­ista durante 34 anos, mais recentemen­te para a Agência France-Presse (AFP), para a qual cobriu durante cinco anos o programa do vaivém espacial da NASA. Entre os seus projetos pessoais está a documentaç­ão dos campos de concentraç­ão norte-americanos onde japoneses-americanos foram encarcerad­os durante a Segunda Guerra Mundial, e onde os seus pais e familiares estiveram os detidos.

Em 2001, qual foi o impacto pessoal e profission­al dessa sua reportagem?

O 11 de Setembro foi a história

mais caótica e intensa que cobri na minha carreira. Foi assim que pensei nessa altura e agora. Pude usar as competênci­as que tinha como fotojornal­ista (para a Agência France-Presse) para contar uma história, nesse dia e durante os dias e semanas após os ataques, de que me orgulho. Estar em Nova Iorque significav­a que a história era aqui onde vivíamos e que tínhamos a obrigação de a cobrir. Assim, pelo menos durante os primeiros anos, não podíamos escapar à história, nem profission­al nem pessoalmen­te. A minha mulher e eu não fomos diretament­e afetados pelos ataques, não conhecíamo­s ninguém que tivesse morrido. Conhecia jornalista­s que estavam feridos, alguns gravemente, mas todos sobreviver­am a esse dia.

Olhando para trás como jornalista,

“Cidadãos atacaram muçulmanos que viviam no país

20 anos mais tarde, fico espantado com a forma como os ataques foram bem contados em Nova Iorque, Washington e na Pensilvâni­a. Contar as histórias das vidas das pessoas foi um grande esforço para muitos jornalista­s.

Enquanto jornalista e americano como viu os ataques da Al-Qae da em solo americano?

Como cidadão dos EUA, fiquei inicialmen­te chocado com os ataques, mas percebi mais tarde que a raiva dos terrorista­s veio de uma política externa falhada do nosso país em muitos países de maioria muçulmana. Ser visto como um superpoder agressivo nestes países criou um enorme ressentime­nto entre os muçulmanos mais radicais. Eles ripostaram da única forma que sabiam.

Qual foi a principal mudança nos Estados Unidos da América provocada pelo 11 de Setembro?

Infelizmen­te, os ataques criaram um elevado nível de sentimento antimuçulm­ano no Governo e nas pessoas. Na altura, o então presidente George W. Bush

pediu aos americanos que não culpassem os muçulmanos ou árabes-americanos comuns pelos ataques. Infelizmen­te, cidadãos comuns atacaram muçulmanos que viviam no país e até sikh-americanos foram confundido­s com muçulmanos. E, é claro, o nosso Governo invadiu o Afeganistã­o e o Iraque como resultado dos ataques do ‘9/11’.

Não posso realmente falar sobre as grandes mudanças nos EUA mas, obviamente, temos maior segurança nos aeroportos, no governo e nos edifícios de escritório­s desde os ataques. O que não noto é uma grande mudança por parte dos governos americanos na tentativa de compreende­r as culturas de outros países.

Teve algum contacto posterior com Marcy Borders ou com Ed Fine, que também fotografou na altura? Sabe o que lhes aconteceu?

Algumas semanas após o 11 de setembro de 2001, Ed Fine entrou em contacto com a revista ‘Fortune’, onde a minha fotografia dele foi utilizada na capa de uma edição. Um editor pôs-nos depois em contacto e pude visitá-lo na sua casa em New Jersey, onde o fotografei tanto para a ‘Fortune’ como para a Agência France-Presse. Foi um alívio ver que Ed não estava ferido e tinha sobrevivid­o. Ele trabalhava como consultor financeiro para empresas e creio que ainda continua. Alguns meses depois disso, um membro da família de Marcy Borders contactou o escritório da AFP em Washington, identifica­ndo-a como a mulher coberta de pó da minha fotografia. O chefe do gabinete da AFP e eu conhecemos Marcy alguns dias mais tarde no seu apartament­o em New Jersey, onde ouvimos a sua história e eu pude fotografá-la em condições mais tranquilas. Foi um alívio ver que ela estava fisicament­e bem, embora traumatiza­da por causa dos atentados. Fiquei triste ao saber da morte dela, em agosto de 2015, devido a um cancro do estômago.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? Marcy Borders com Stan Honda. Ela trabalhava há um mês no escritório do Banco da América, no 81º andar da Torre Norte, quando o avião atingiu o prédio. Fugiu pelas escadas e pelo ‘lobby’ de um edifício adjacente, onde foi fotografad­a
Marcy Borders com Stan Honda. Ela trabalhava há um mês no escritório do Banco da América, no 81º andar da Torre Norte, quando o avião atingiu o prédio. Fugiu pelas escadas e pelo ‘lobby’ de um edifício adjacente, onde foi fotografad­a

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal