ESTRATÉGIAS
As sangrentas consequências do ataque terrorista às Torres Gémeas em Nova Iorque e ao Pentágono, em
11 de Setembro de 2001, assinalaram o início de um momento da vida internacional que pode ser considerado tão significativo quanto a queda do Muro de Berlim, em 1989. De facto, ambos os incidentes recordaram à humanidade que o séc. XXI já havia começado.
Aquele atentado encontrou então um eco nos media de todo o mundo que foi amplificado pelo facto de representar um ataque ao país tido como o mais poderoso do mundo. E se ainda hoje se continua a discutir como foi possível a ocorrência de qualquer daqueles dois incidentes, a sua imprevisibilidade apenas veio confirmar a volatilidade de certas análises e as consequências que daí podem advir para a segurança do mundo. Nessa linha, convirá recordar que a ordem internacional vigente na segunda metade do séc. XX derivava essencialmente de um projeto normativo proposto em 1945 na Carta das Nações Unidas e concretizado em termos organizativos na ONU, a que se associaria a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Sublinhe-se, todavia, que estes documentos fundacionais haviam sido elaborados numa perspetiva claramente submetida a princípios e valores próprios do mundo ocidental, gerando, por conseguinte, uma incontornável desadequação face a espaços étnicos, culturais e religiosos muito diferentes. Ora esse distante “pecado original”, que na prática se traduzia na hegemonia das grandes potências, produziu efeitos até hoje, pesem embora os vastos benefícios que a Comunidade das Nações foi amealhando por mérito não só das Nações Unidas e das suas agências especializadas, mas também de outras organizações internacionais dedicadas à cultura, à economia, ao desenvolvimento e à defesa e segurança que, nesse entretanto, surgiram.
A partir daí a conflitualidade mundial teve expressões de intensidade variável entre as quais se poderão mencionar a chamada Guerra Fria, os processos de descolonização, as guerras da Coreia e do Vietname e, a par dessas, a progressiva contestação de noções estruturantes tais como a da soberania estadual, a de Nação, a de cidadania, etc. Por outro lado, com o decorrer dos anos e mercê dos avanços tecnológicos nas áreas dos transportes, das comunicações e das informações, nasceram grandes espaços integrados de dimensão transnacional - informais ou não - que vieram revelar a incapacidade dos Estado para enfrentar novos desafios que surgiam. A esse fenómeno de transferência das capacidades de controlo e constrangimento próprias dos Estados soberanos se chamaria mundialização (e globalização) e, por via dele, os Estados viram-se induzidos a abandonar políticas externas basicamente unilaterais para favorecerem o renascer de um multilateralismo de esperada eficiência.
Foi nesse contexto que ocorreram os atentados de 11 de Setembro de 2001 os quais, causando quase três mil vítimas, promoveram o terrorismo – até aí reduzido a uma expressão subversiva de lutas internas das nações – à categoria de ameaça global. O impacto que esse cruento ataque teve na opinião pública mundial resultou, em primeiro lugar, de ele ter sido desferido no coração de uma superpotência como os Estados Unidos da América; em segundo lugar, do facto de ele haver sido perpetrado por um poder atípico e obscuro, a Al-Qaeda, recorrendo a meios pouco sofisticados e, em terceiro lugar, do recurso a uma técnica perturbadora que foi o abalar a confiança das sociedades civis por meio da matança de inocentes. O mundo apercebeu-se, pois, de que essa ameaça global se organizava em células espalhadas um pouco por toda a parte e que agiam de surpresa demonstrando uma firme motivação e uma temível capacidade letal muitas vezes exercida por voluntários suicidas.
Mas qual foi o verdadeiro motivo daqueles atentados? Sendo impossível resumir tudo o que tem sido dito sobre esta questão, poder-se-á afirmar que o seu pano de fundo foi a profunda aversão que os fundamentalistas islâmicos alimentavam face aos Estados Unidos desde a fundação do Estado de Israel, em 1948. Tal estado de espírito cresceu com as intervenções que a administração norte-americana realizou no Médio Oriente, designadamente durante a crise do petróleo, de 1973, a Revolução Islâmica do Irão, de 1979 e, mais tarde, com a invasão do Iraque. A autoria do atentado de 11 de Setembro foi, aliás, assumida pelo movimento fundamentalista Al-Qaeda, criado e liderado pelo saudita Osama bin Laden, que se encontrava refugiado no Afeganistão. Tanto bastou para que poucas semanas depois e perante a recusa das autoridades afegãs de entregarem Bin Laden às autoridades norte-americanas, Washington desse início à guerra do Afeganistão com vista a capturá-lo. Contudo, foi apenas em 2011 que os militares norte-americanos conseguiram descobrir e abater Bin Laden no Paquistão. A perseguição que, nessa altura, vários Estados moveram contra os militantes da Al-Qaeda enfraqueceu muito a operacionalidade do movimento, obrigando-o a pulverizar-se e a “adormecer”, mas não anularam a sua vontade de enfrentar e eliminar os “infiéis ocidentais”.
Se muitos consideraram que a morte de Bin Laden teria sido um bom momento para os Estados Unidos darem por finda a sua missão de eliminar grupos terroristas-jihadistas que atuavam transnacionalmente e retirarem daquela região, outro foi o entendimento de Washington que, em associação com intervenções de cariz humanitário, optou por tentar uma experiência de engenharia social e transformação cultural, ou seja de ‘state-building’, num Estado débil em que boa parte do seu povo repudiava os valores e a visão das sociedades ocidentais. De facto, a população afegã vive apegada a valores muçulmanos tradicionais e encontra-se fragmentada por clivagens tribais, religiosas e étnicas, cuja conflitualidade acabou por ser habilmente manipulada pelas forças talibãs. Os resultados dessas controversas estratégias de Washington estão à vista.
“População afegã está fragmentada por clivagens tribais