“DISSERAM QUE EU ERA UM HOMEM MORTO” A
Matei muita gente, mas era mesmo matar para não morrer. Hoje arrependo-me
té 1968 trabalhei na Caixa de Previdência e fui adiando a tropa. Pior do que Angola foi Mafra, havia uma prova na Foz do Lisandro em que tínhamos de entrar pelo mar dentro, à noite, e depois voltar pelos montes, também de noite. Depois fui para Santarém, para a Escola Prática de Cavalaria. O comandante de companhia era o capitão Mário Tomé [ex-deputado e ex-dirigente do Bloco de Esquerda] e o Hermínio Martinho [ex-líder do PRD] era o comandante de pelotão. De seguida fui para Cavalaria 7, em Belém. Primeiro fui mobilizado para a Guiné, mas antes de embarcar recebi um telegrama a dizer que a data de embarque mudava e o meu SPM [contacto do Serviço Postal Militar] também. Embarquei no ‘Vera Cruz’ em julho de 1969 e cheguei a Luanda na véspera da descida do homem na Lua. Passados 10 dias meteram-nos nuns camiões e fomos até ao Munhango, a 1000 km de Luanda.
Durante a comissão matei muita gente, até me custa falar disso. Um dia apanhei um turra a dormir de sentinela no meio do mato demorei para aí uma hora a apanhá-lo, fui sozinho, com a faca, mas consegui. Hoje há muitas coisas de que me arrependo, mas naquela altura era mesmo matar para não morrer. Os turras chegaram a enviar-me um bilhete, que depois a PIDE confirmou que era verdadeiro, a dizer: “O alferi nevi é um homem morto.” Fizeram uma emboscada para me matar mas eu fui por outro caminho.
Perdido no mato
Sei o que é andar perdido, eu com 30 homens, sem saber para que lado havia de ir. Tinha levado um guia para um golpe de mão, mas eles reagiram ao ataque e mataram o homem. Eu estava atrás do capim, um turra veio urinar para cima de mim e eu não me podia mexer para ele não saber que eu estava ali. Orientei-me como me tinham ensinado em Mafra: as árvores que têm musgo apontam para nascente. E a verdade é que graças às árvores conseguimos regressar. Tínhamos muitos cavalos, vindos da Argentina para o Lobito e fazíamos cinco dias a pé e 10 dias a cavalo: passávamos 15 dias no mato por mês. O repórter de guerra Fernando Farinha chegou a acompanhar-nos numa operação. Cheguei a fazer mais de 100 quilómetros em cima de um cavalo. A nossa companhia, os Cavaleiros do Capim, foi condecorada porque trabalhámos muito. Passei muita fome durante a minha comissão. Cheguei a Portugal no ‘Vera Cruz’ em setembro de 1971 e nunca mais pus uma sardinha em lata à boca.
Sei o que é ficar perdido no mato com 30 homens e sem guia