Correio da Manhã Weekend

“A MISSÃO DECORREU DURANTE O PROCESSO DE DESCOLONIZ­AÇÃO” N

Os confrontos em Luanda começavam e acabavam sempre da mesma maneira e esgotavam-se por falta de munições

- MARTA MARTINS SILVA RECOLHA DO DEPOIMENTO

o dia 16 de julho de 1973, apresentei-meem Mafra, na Escola Prática de Infantaria, para cumprir o Serviço Militar Obrigatóri­o (SMO). Após a recruta em Mafra rumei a Lamego, para, no Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), frequentar a especialid­ade de Operações Especiais. Passei pelo BC8 em Elvas e segui para o BC10 em Chaves. Fui encarregad­o de formar a 1ª Companhia do BC 5010/74 e levá-la para o BC9 em Viana do Castelo, daí para Lisboa e depois para Luanda, para render o BC 5010/72, no Norte de Angola. Então com 24 anos, era um jovem aspirante a oficial miliciano, com pouca experiênci­a adquirida na recruta, reforçada com a frequência da especialid­ade de Operações Especiais. Numa zona de intervençã­o do tamanho do Alentejo, com uma companhia de 160 homens, na povoação do Béu, com destacamen­tos em Zádi e no Cuilo. Não havia atividade da guerrilha.

No início de dezembro de 1974 apareceu a FNLA com os primeiros guerrilhei­ros do ELNA, que eram militares do exército de Mobutu do Zaire. Inicialmen­te pacatos, tentaram exercer o poder, interpelan­do a população e impondo a sua vontade de forma autoritári­a, pela força das armas. Consegui manter a ordem, sem entrar em conflito armado, com frequentes demonstraç­ões de força da nossa tropa.

Procura da paz

A 19 de fevereiro de 1975, após desativar o aquartelam­ento, a companhia rumou a Luanda. No percurso, sofremos um acidente entre duas viaturas, com feridos e as duas primeiras baixas por morte. Chegado a Luanda, posso dizer que começou “a minha guerra”, sempre na procura da paz.

A missão decorreu durante o conturbado processo de descoloniz­ação; proteção da população civil, segurança de pontos estratégic­os, como a refinaria (um morto a 5 de junho de 1975), captação e abastecime­nto de água (um morto a 30 de agosto 1975), porto marítimo, aeroporto, etc.

As Forças Armadas portuguesa­s, estavam no meio de um conflito entre grandes potências, com dificuldad­e de intervençã­o. Era difícil gerir a situação, debaixo de fogo cruzado. Os três movimentos guerreavam-se entre si: O ELNA - Exército de Libertação Nacional de Angola, da FNLA, apoiado pelos EUA, e formado por tropa do Zaire; as FALA Forças Armadas de Libertação de Angola, da UNITA, com apoio da África do Sul; e as FAPLA - Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, do MPLA, apoiadas pela URSS, depois por Cuba.

Na cidade de Luanda, usavam morteiros. Davam tiros sem terem alvo à vista. Faziam feridos e mortos entre as populações. Os confrontos de Luanda começavam e acabavam sempre da mes

“No caminho para Luanda sofremos um acidente entre duas viaturas, com feridos e as duas primeiras baixas por morte

ma maneira e esgotavam-se por falta de munições. Depois, enchiam os paióis e voltavam à carga. A 6 de julho de 1975, os elementos da FNLA do Bairro Cassequel, ao serem abordados por executarem tiros que ameaçavam o nosso quartel, abriram fogo à nossa aproximaçã­o e causaram-nos um morto. Após este facto, foi feito um tiro de canhão que destruiu a delegação, causando baixas não estimadas. Nestes casos, a receita funcionava em pleno. A FNLA nunca protestou, com plena consciênci­a de que a razão nos assistia.

A 10 de outubro de 1975 acabei a “minha guerra”, quando aterrei em Lisboa… Voltei às planícies alentejana­s com o SMO cumprido!... Contrariam­ente a alguns que, não por opção política, mas por cobardia, arranjaram expediente para a ele fugir.

“Um tiro de canhão destruiu a delegação da FNLA

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