JOACINE, A ICONOCLASTA
Uma branca, como eu, que desejasse entender a História, teria de rejeitar primeiro a sua ‘brancura’
A deputa da Joacine Kat ar Moreira anunciou que vai apresentar um projet ode resolução ao parlamento no sentido de assete pinturas expostas no Salão Nobre dali serem retiradas uma vez que se destinam a garantir “o prolongamento da visão do Estado Novo”. Segundo ela, aquelas imagens deveriam ir para um espaço museológico acompanhadas de uma “contextualização histórica crítica” que explicasse a forma como os portugueses tinham subjugado, de forma violenta, os povos da África e do Oriente.
Segundo ela, as pinturas chocavam não só por mostrarem a Conquista de forma heróica, mas por retratarem “os povos colonizados em posições de subalternidade, permissividade e infantilidade e pela forma heróica como retrataram o poder colonial e a sua empresa, omitindo os impactos dessa subjugação nos povos e territórios capturados e explorados”. Ao ler estas declarações, recordei o que um deputado me contara sobre a visita, em 1983, de Samora Machel à Assembleia da República. Diante do painel intitulado ‘Vasco da Gama recebido pelos emissários de Samorim’, eis o que, sorrindo, dissera: “Aquele preto ali sou eu.”
Sou loira, o que, como assinalou Titania McGrath (pseudónimo de A. Doyle) em ‘Woke’, faz de mim alguém incapaz de compreender o mundo. Aparentemente, ser negro traz por si só uma sabedoria inata. Uma branca, como eu, que desejasse entender a História, teria assim de rejeitar primeiro a sua ‘brancura’. Consciente de que as teses da corrente ‘woke’, nascida entre os grupos políticos esquerdistas, são um disparate, fui espreitar o pensamento da direita sobre tal matéria. Qual não foi o meu espanto quando descobri que a sua luta se concentrara numa polémica sobre umas flores e uns buxos que, em tempos, tinham existido na praça diante dos Jerónimos.
Durante uns meses, circulara até um abaixo-assinado de um movimento intitulado “Associação Nova Portugalidade”, onde se denunciava a remoção dos brasões florais da Praça do Império. Pelos vistos, estes ideólogos tinham-se esquecido de lá ir, não tendo assim reparado que o que lá está são os restos de uns arranjos da década de 60. Uma vez que já não existiam, a luta contra “o apagão dos brasões da Praça do Império” era afinal desnecessária.
Estava quase a desistir de ouvir falar do Império quando me lembrei de reler o que um historiador, João Pedro Marques, publicara sobre a escravatura e do que, a 2 de dezembro de 1990, o embaixador José Cutileiro escrevera sobre Samora Machel no magazine do ‘Público’. Estes textos provam, se necessário fosse, que os brancos são capazes de pensar lucidamente sobre as malhas que o Império tece, o que obviamente não sucede com a deputada Joacine.
“Textos de João Pedro Marques e José Cutileiro provam que os brancos são capazes de pensar lucidamente sobre as malhas que o Império tece, o que obviamente não sucede com a deputada Joacine”