Correio da Manhã Weekend

A IMPORTÂNCI­A DE SE CHAMAR XAVIER

- VICTOR BANDARRA JORNALISTA ANTIGA ORTOGRAFIA

Xavier é um homem alto, possante, manápulas largas e dedos gretados pelo dia-a-dia no amanho da terra. A mulher, Maria Generosa, é pequenina, irrequieta, olhos vivos e gestos decididos. Entram ao fim da tarde, num grupo de gente tímida e hesitante, na sala de aula da escola primária da aldeia da região saloia. Na casa dos 50 anos, são os dois analfabeto­s, ainda que ela saiba desenhar, a custo, o seu primeiro nome, Maria. Xavier, grandalhão, mal consegue acomodar-se na velha carteira de madeira. À sua frente, dois lápis e dois “cadernos de cópia”. Estamos em fins de 1974. Vai começar a primeira aula da primeira campanha de alfabetiza­ção promovida pelo Movimento das Forças Armadas. O casal faz parte dos 25% de analfabeto­s absolutos do País, mais de 2 milhões de pessoas. Faltam uns 6 meses para as primeira eleições livres, com sufrágio universal, destinadas a formar uma Assembleia Constituin­te, que hão-de realizar-se a 25 de Abril de 1975. Os alfabetiza­dores, jovens estudantes universitá­rios e liceais, estão munidos do Método Paulo Freire, brasileiro que desenvolve­u um esquema de alfabetiza­ção acelerado para adultos. A ideia é identifica­r as palavras mais utilizadas pelas pessoas e ensiná-las a escrevê-las através de sons (sílabas). Por ali, as primeiras palavras a desenhar são TI-JO-LO e BA-TA-TA. Desajeitad­o, Xavier mal consegue endireitar o lápis entre os dedos. Maria tenta ajudar. “Ó mulher! Deixa-me! Eu não te disse que não queria vir?!” Maria arrebita a voz para formador ouvir. “É teimoso que nem um burro! Só quer aprender a desenhar o nome! Mais nada!” Aos poucos, traço tosco, Xavier e Maria vão desenhando o B, o T, o I, o A e por aí fora. O homem sua as estopinhas, as gotas escorrem-lhe cara abaixo. Começa a enervar-se. Maria vai encorajand­o o marido. Os formadores, politizado­s q.b., vão dissertand­o sobre a importânci­a da liberdade, do socialismo e das eleições que hão-de vir. Recordam que, durante décadas, os analfabeto­s estiveram impedidos de votar em Portugal. Xavier desespera com o TIJOLO e a BATATA. Prepara-se para desistir. Um dos formadores condescend­e. “OK Ti Xavier! Vamos lá então aprender a desenhar o XA de Xavier”. Mas Xavier já perde as estribeira­s. “Não dou pra isto! Tenham lá a

santa paciência!” O homem levanta a carteira, pronto para zarpar dali. Maria, empertigad­a, lança o último trunfo. “Ó homem! Ao menos aprende a desenhar o X! Sempre fazes um figurão nas eleições!”

“Só quer aprender a desenhar o nome! Mais nada!

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