A IMPORTÂNCIA DE SE CHAMAR XAVIER
Xavier é um homem alto, possante, manápulas largas e dedos gretados pelo dia-a-dia no amanho da terra. A mulher, Maria Generosa, é pequenina, irrequieta, olhos vivos e gestos decididos. Entram ao fim da tarde, num grupo de gente tímida e hesitante, na sala de aula da escola primária da aldeia da região saloia. Na casa dos 50 anos, são os dois analfabetos, ainda que ela saiba desenhar, a custo, o seu primeiro nome, Maria. Xavier, grandalhão, mal consegue acomodar-se na velha carteira de madeira. À sua frente, dois lápis e dois “cadernos de cópia”. Estamos em fins de 1974. Vai começar a primeira aula da primeira campanha de alfabetização promovida pelo Movimento das Forças Armadas. O casal faz parte dos 25% de analfabetos absolutos do País, mais de 2 milhões de pessoas. Faltam uns 6 meses para as primeira eleições livres, com sufrágio universal, destinadas a formar uma Assembleia Constituinte, que hão-de realizar-se a 25 de Abril de 1975. Os alfabetizadores, jovens estudantes universitários e liceais, estão munidos do Método Paulo Freire, brasileiro que desenvolveu um esquema de alfabetização acelerado para adultos. A ideia é identificar as palavras mais utilizadas pelas pessoas e ensiná-las a escrevê-las através de sons (sílabas). Por ali, as primeiras palavras a desenhar são TI-JO-LO e BA-TA-TA. Desajeitado, Xavier mal consegue endireitar o lápis entre os dedos. Maria tenta ajudar. “Ó mulher! Deixa-me! Eu não te disse que não queria vir?!” Maria arrebita a voz para formador ouvir. “É teimoso que nem um burro! Só quer aprender a desenhar o nome! Mais nada!” Aos poucos, traço tosco, Xavier e Maria vão desenhando o B, o T, o I, o A e por aí fora. O homem sua as estopinhas, as gotas escorrem-lhe cara abaixo. Começa a enervar-se. Maria vai encorajando o marido. Os formadores, politizados q.b., vão dissertando sobre a importância da liberdade, do socialismo e das eleições que hão-de vir. Recordam que, durante décadas, os analfabetos estiveram impedidos de votar em Portugal. Xavier desespera com o TIJOLO e a BATATA. Prepara-se para desistir. Um dos formadores condescende. “OK Ti Xavier! Vamos lá então aprender a desenhar o XA de Xavier”. Mas Xavier já perde as estribeiras. “Não dou pra isto! Tenham lá a
santa paciência!” O homem levanta a carteira, pronto para zarpar dali. Maria, empertigada, lança o último trunfo. “Ó homem! Ao menos aprende a desenhar o X! Sempre fazes um figurão nas eleições!”
“Só quer aprender a desenhar o nome! Mais nada!