A arte da fuga
Eis três regras de ouro do processo penal: nenhum juiz pode julgar crimes sem o Ministério Público instaurar o procedimento; em regra, basta ao Ministério Público adquirir a notícia do crime para instaurar o procedimento (mas nos crimes particulares e semipúblicos só o pode fazer se houver queixa); apenas um juiz ou vários juízes podem absolver ou condenar alguém.
Com respeito por tais regras, João Rendeiro foi condenado por vários crimes públicos: por falsidade informática e falsificação de documentos, a cinco anos e oito meses de prisão (sentença transitada em julgado); por abuso de confiança agravado, burla fiscal agravada e branqueamento, a dez anos de prisão; por burla qualificada, a três anos e seis meses de prisão.
Sujeito a termo de identidade e residência, que não restringe direito algum e só obriga o arguido a comunicar saídas por mais de cinco dias, João Rendeiro não compareceu perante a Justiça nem o tenciona fazer. Ninguém deve ficar surpreendido: Cristo e Sócrates são exceções. O fugitivo nem sequer pode ser punido por evasão, crime que só cometeria se já estivesse preso.
É uma mistificação pretender que a culpa é de todos ou são necessárias novas leis. João Rendeiro podia e devia ter sido submetido a medidas de coação mais graves. A lei contempla-o. Mas teria sido “conveniente” que o MP, magistratura autónoma e hierarquizada que representa o Estado, promovesse a respetiva aplicação. Não o fez? Com que fundamento? A PGR tem a palavra.
Para “obrigar” os tribunais a aplicar medidas eficazes (proibição de deslocação ao estrangeiro, obrigação de permanência na habitação ou prisão preventiva) seria necessário tornar os juízes autómatos, sem poder para julgar. E pôr fim à presunção de inocência, executando a pena antes de decidir o recurso. Porém, quando tal suceder, não haverá já Estado de Direito.n
RENDEIRO DEVIA TER SIDO SUBMETIDO A MEDIDAS DE COAÇÃO
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