Correio da Manhã Weekend

A arte da fuga

- Rui Pereira Professor Universitá­rio

Eis três regras de ouro do processo penal: nenhum juiz pode julgar crimes sem o Ministério Público instaurar o procedimen­to; em regra, basta ao Ministério Público adquirir a notícia do crime para instaurar o procedimen­to (mas nos crimes particular­es e semipúblic­os só o pode fazer se houver queixa); apenas um juiz ou vários juízes podem absolver ou condenar alguém.

Com respeito por tais regras, João Rendeiro foi condenado por vários crimes públicos: por falsidade informátic­a e falsificaç­ão de documentos, a cinco anos e oito meses de prisão (sentença transitada em julgado); por abuso de confiança agravado, burla fiscal agravada e branqueame­nto, a dez anos de prisão; por burla qualificad­a, a três anos e seis meses de prisão.

Sujeito a termo de identidade e residência, que não restringe direito algum e só obriga o arguido a comunicar saídas por mais de cinco dias, João Rendeiro não compareceu perante a Justiça nem o tenciona fazer. Ninguém deve ficar surpreendi­do: Cristo e Sócrates são exceções. O fugitivo nem sequer pode ser punido por evasão, crime que só cometeria se já estivesse preso.

É uma mistificaç­ão pretender que a culpa é de todos ou são necessária­s novas leis. João Rendeiro podia e devia ter sido submetido a medidas de coação mais graves. A lei contempla-o. Mas teria sido “convenient­e” que o MP, magistratu­ra autónoma e hierarquiz­ada que representa o Estado, promovesse a respetiva aplicação. Não o fez? Com que fundamento? A PGR tem a palavra.

Para “obrigar” os tribunais a aplicar medidas eficazes (proibição de deslocação ao estrangeir­o, obrigação de permanênci­a na habitação ou prisão preventiva) seria necessário tornar os juízes autómatos, sem poder para julgar. E pôr fim à presunção de inocência, executando a pena antes de decidir o recurso. Porém, quando tal suceder, não haverá já Estado de Direito.n

RENDEIRO DEVIA TER SIDO SUBMETIDO A MEDIDAS DE COAÇÃO

MAIS GRAVES

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal