Correio da Manhã Weekend

Jornalismo contra o poder podre

- EDUARDO CINTRA TORRES ectorres@cmjornal.pt TEXTOS ESCRITOS COM A ANTIGA GRAFIA

Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, laureados com o Nobel da Paz têm em comum prosseguir a actividade jornalísti­ca em ambiente hostil e realizando jornalismo sério, baseado nos factos investigad­os e respeitand­o a deontologi­a. Se o jornal ‘Rappler’ de Ressa é considerad­o inimigo pelo presidente filipino e ela chegou a ser detida, o percurso de Muratov e da ‘Novaia Gazeta’, que dirige, é mais impression­ante: seis jornalista­s e colaborado­res assassinad­os sob o reinado de Vladimir Putin. Que coragem é necessária para trabalhar, 365 dias por ano, num jornal cujos jornalista­s são perseguido­s, espancados e assassinad­os!

O Comité Nobel escolheu estes dois profission­ais como “representa­ntes de todos os jornalista­s” que abraçam a luta pela liberdade e pela democracia num mundo em que elas “enfrentam situações adversas crescentes”.

Um traço comum ao jornalismo praticado pelos laureados é o da investigaç­ão e publicação de reportagen­s revelando casos de corrupção. Nas últimas décadas, o tema da corrupção tem sido da máxima importânci­a no ambiente mediático. Há muito que a corrupção roubava os cidadãos, mas ela não estava inscrita na percepção da opinião pública como um assunto grave, incluindo nas democracia­s. Com a mudança da percepção pública, nasceu um novo ambiente geral, em que operadores judiciário­s ‘descobrira­m’ a corrupção e começaram a investigá-la, por iniciativa própria ou por pressão social, e parte do corpo jornalísti­co também acordou para o assunto (já os políticos fingem). A Rússia, uma semi-ditadura, é um caso extremo, pois o jornal de Muratov denunciou casos condenávei­s “raramente mencionado­s noutros media” russos, referiu o Comité Nobel.

Esse caso extremo alerta para uma reflexão em democracia­s, como Portugal. É que também aqui há casos condenávei­s denunciado­s no CM ou em poucos outros media que raramente são mencionado­s noutros media ‘generalist­as’. O grupo do ‘Expresso’, que aflora a corrupção de outros, esconde há seis anos uma lista de jornalista­s avençados do ex-BES. Como acreditar num jornal que assim procede?

Existe um proteccion­ismo de algumas instâncias de poder, incluindo o jornalismo

NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, O TEMA DA CORRUPÇÃO TEM SIDO

DA MÁXIMA IMPORTÂNCI­A NO AMBIENTE MEDIÁTICO

do poder, como o do ‘Expresso’. Alimenta-se assim um certo mal-estar na democracia. Uma regra dessa paz podre foi claramente escrita por um dos donos do Polígrafo, em 2018: “O Polígrafo não analisa notícias de outros jornais”. Tendo em conta que a imprensa legítima também publica erros, falsidades, meias-verdades e mentiras, este proteccion­ismo faz de ‘fact-finders’ como o Polígrafo agentes activos desse mal-estar que mina a democracia.n

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