Jornalismo contra o poder podre
Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, laureados com o Nobel da Paz têm em comum prosseguir a actividade jornalística em ambiente hostil e realizando jornalismo sério, baseado nos factos investigados e respeitando a deontologia. Se o jornal ‘Rappler’ de Ressa é considerado inimigo pelo presidente filipino e ela chegou a ser detida, o percurso de Muratov e da ‘Novaia Gazeta’, que dirige, é mais impressionante: seis jornalistas e colaboradores assassinados sob o reinado de Vladimir Putin. Que coragem é necessária para trabalhar, 365 dias por ano, num jornal cujos jornalistas são perseguidos, espancados e assassinados!
O Comité Nobel escolheu estes dois profissionais como “representantes de todos os jornalistas” que abraçam a luta pela liberdade e pela democracia num mundo em que elas “enfrentam situações adversas crescentes”.
Um traço comum ao jornalismo praticado pelos laureados é o da investigação e publicação de reportagens revelando casos de corrupção. Nas últimas décadas, o tema da corrupção tem sido da máxima importância no ambiente mediático. Há muito que a corrupção roubava os cidadãos, mas ela não estava inscrita na percepção da opinião pública como um assunto grave, incluindo nas democracias. Com a mudança da percepção pública, nasceu um novo ambiente geral, em que operadores judiciários ‘descobriram’ a corrupção e começaram a investigá-la, por iniciativa própria ou por pressão social, e parte do corpo jornalístico também acordou para o assunto (já os políticos fingem). A Rússia, uma semi-ditadura, é um caso extremo, pois o jornal de Muratov denunciou casos condenáveis “raramente mencionados noutros media” russos, referiu o Comité Nobel.
Esse caso extremo alerta para uma reflexão em democracias, como Portugal. É que também aqui há casos condenáveis denunciados no CM ou em poucos outros media que raramente são mencionados noutros media ‘generalistas’. O grupo do ‘Expresso’, que aflora a corrupção de outros, esconde há seis anos uma lista de jornalistas avençados do ex-BES. Como acreditar num jornal que assim procede?
Existe um proteccionismo de algumas instâncias de poder, incluindo o jornalismo
NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, O TEMA DA CORRUPÇÃO TEM SIDO
DA MÁXIMA IMPORTÂNCIA NO AMBIENTE MEDIÁTICO
do poder, como o do ‘Expresso’. Alimenta-se assim um certo mal-estar na democracia. Uma regra dessa paz podre foi claramente escrita por um dos donos do Polígrafo, em 2018: “O Polígrafo não analisa notícias de outros jornais”. Tendo em conta que a imprensa legítima também publica erros, falsidades, meias-verdades e mentiras, este proteccionismo faz de ‘fact-finders’ como o Polígrafo agentes activos desse mal-estar que mina a democracia.n