Dia de reflexão
Já somos poucos aqueles que vieram de outros tempos com opinião pública. O tempo não perdoa. Retém pouca memória e cumpre o direito ao esquecimento que a construção de culturas ‘light’, apegadas ao efémero, mais reforça.
Participei em duas campanhas eleitorais que tiveram mau fim durante o período marcelista. Em 69, ainda sem capacidade para votar, e em 73 já com direito a votar. Da primeira ficou uma recordação da boçalidade do regime. Candidatos a deputados pela Oposição espancados pela polícia política, alguns presos, sessões de esclarecimento cercadas pela polícia. Em 73, a brutalidade e o cerco às forças democráticas foi tal que a Oposição desistiu de ir a eleições.
O 25 de Abril trouxe muitos
A LEI CONTINUA IMUTÁVEL E ERRADA PORQUE A VIDA É BEM
MAIOR DO QUE QUALQUER NORMA
sonhos para cumprir. Um dos principais, participarmos em eleições livres. Votarmos naquele partido que queríamos ver à frente dos destinos do País. E foi uma festa. EstávaO mos no tempo das utopias e dos entusiasmos libertos do medo. A lei eleitoral regulava, e regula, as campanhas partidárias e impunha um dia de reflexão antes de o País semear cruzinhas em milhões de boletins de votos. Esse dia induzia a solenidade do voto e não era estranho que eleitores envergassem fatos domingueiros, caprichosos no aprumo, para cumprir o seu dever cívico.
Porém, o tempo mudou a essência das coisas. Transformações tecnológicas e sociais alteraram o paradigma das campanhas, a internet abriu portas para que estas se realizem até ao fecho das urnas. Hoje já se vota para a Assembleia Legislativa, porém, o dia de reflexão é no próximo sábado. A lei continua imutável e errada porque a vida é bem maior do que qualquer norma. E o Poder faz de conta que nada mudou. É incompreensível? É. Apenas mais um sinal de desleixo.n