Medo em grande estilo
Não estávamos no metro de Pequim, nem no de Tóquio ou
Seul, mas de repente começámos a usar máscaras e não se tratava de uma simples gripe sazonal, de uma constipação ou de uma crise respiratória. Fizemo-lo durante dois anos. Algumas pessoas, confesso, foram notoriamente beneficiadas (tenho uma lista maldosa), mas recordo quando um amigo se me apresentou à frente exigindo um abraço – ou um aperto de mão, um toque de cotovelo – e eu não o reconheci. “Tira a máscara, que não te reconheço”, pedi eu, e ele tirou o boné e destapou a careca simpática: era mesmo o Tomás, em plena luz de Lisboa, e não em Pequim, em Tóquio ou em Seul. Aconteceu várias vezes: pessoas que me cumprimentaram com um grande aceno efusivo, a que correspondi sempre – mas que não reconheci, e que ainda não sei quem eram.
Passados dois anos, a maior parte de nós deixou de usar máscara. Entramos nas lojas, atravessamos a sala do restaurante, sentamo-nos no escritório, passeamos pela rua – tudo sem máscara. Há pessoas que nos olham de soslaio mas, em vez de as criticar, pondero bem: foram dois anos de medo. Fui dos primeiros a usar máscara, porque pousei em Lisboa vindo da China quando já havia rumores de maldição. Passei por ser uma ave de arribação, mas resisti; talvez por isso, abandonei o uso de máscara com enorme alegria. Isso traz alguns inconvenientes: agora reconheço quase todas as pessoas (algumas mudaram muito), não posso baixar a cabeça à procura de anonimato, e tenho de me barbear todos os dias. O medo faz de nós seres habituados a ocultar-se. Tanto que, na semana passada, dei por mim na farmácia a ver certos modelos de máscara. São relativamente chiques e têm padrões simpáticos. Não são Gucci, que chegaram aos 600 euros – mas, digamos, para uma viagem de metro de luxo ou uma ida ao hospital, devemos estar na moda. O medo faz de nós seres habituados a ocultar-se, mas em grande estilo.
“Algumas pessoas foram notoriamente beneficiadas”