Correio da Manhã Weekend

“O furriel Silveira, meu amigo açoriano, morreu num ataque”

FUI PARA O ULTRAMAR POUCO DEPOIS DE A GUERRA COMEÇAR MAS, FELIZMENTE, ESCAPEI DE SITUAÇÕES MAIS COMPLICADA­S. AINDA ASSIM, VIVI MOMENTOS QUE ME MARCARAM PARA SEMPRE

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Opaquete `Uíge' largou amarras pelas primeiras horas da tarde do dia 15

de junho de 1961. Comigo, numa mala comprada para o efeito, seguiam, além do fardamento militar, uma imensa saudade de tudo o que para trás ficava. Da- quela guerra, cujo início era bastante recente, não havia qualquer informação que pudesse servir de suporte ao nosso comportame­nto quando chegássemo­s ao campo de batalha.

A guerra ali tão perto

O Batalhão de Caçadores 137 recebeu ordens para avançar para a região de combate, onde ia ocu- par, defender e patrulhar toda a zona que o Batalhão 96 – comandado pelo célebre tenente-coronel Armando Maçanita – ia conquistan­do.

Entre Úcua e a Roça de Santarém, localidade de destino, existia a Pedra Boa, que ficava próximo da famosa Pedra Verde, e ali os ataques às colunas militares em deslocação aconteciam com regularida­de. Chegámos cerca das 21h30, cansados e cobertos de pó. Na manhã seguinte, um camarada inadvertid­amente disparou um tiro que fez rebentar uma granada de canhão, provocando ferimentos graves num outro militar que se encontrava próximo. Eram os primeiros de mui- tos episódios desagradáv­eis pelos quais íamos pas- sar naquela guerra.

Em determinad­a noite, tive necessidad­e de me ausentar a fim de fazer as minhas necessidad­es fisiológic­as. Os meus dois colegas de quarto dormiam profundame­nte e não se apercebera­m da minha saída, mas um deles acordou quando eu me encontrava junto à porta. Pensou ele tratar-se de um terrorista e, quando eu me deitei, puxou da espingarda e preparou-se para disparar. Dado que nessa altura já tínhamos bastante experiênci­a de guerra atirei-me de imediato para o chão e gritei dizendo que era eu.

Ao aproximar-se a segunda metade do ano 1962, nova epopeia nos esperava. Nambuangon­go, terra de que ninguém queria sequer ouvir falar por ter sido o maior bastião de forças rebeldes, haveria de ser o nosso próximo destino. Vivi naquele lugar dois momentos completame­nte antagónico­s: a morte do meu amigo furriel Silveira, um simpático açoriano amante da natureza, num ataque, e a visita de Raul Solnado e Fernando Pessa.

Regressei a Lisboa a 16 de setembro de 1963. Ao deitar um último olhar sobre aquele território que, mesmo em condições tão difíceis, foi a minha terra durante quase 27 meses, o meu coração ficou dividido. África tem realmente um feitiço.

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